Maquiagem ok, animais ok, meio ambiente ok: o mercado de cosméticos naturais só cresce

De grandes conglomerados a jovens marcas, um novo braço do mercado de beleza vem conquistando cada vez mais adeptos: o de produtos naturais, veganos e sustentáveis

Você se lembra daquele tempo em que se escolhia cosméticos pelos benefícios de seus ingredientes, pela marca, pelo aroma ou até pela embalagem? Sim, essa prática já pode ser considerada fora de época, e vai ficar cada vez mais no passado.

 

A sustentabilidade, palavra-chave de dez em cada dez pesquisas sobre tendências de mercado – de moda, luxo, automobilismo, comportamento, arquitetura… –, é quem está ditando as novas regras da indústria de beleza. A agência líder em inteligência de mercado Mintel, sediada em Londres, divulgou quatro tendências para o ramo da beleza. Entre elas, a sustentabilidade e os ingredientes naturais e orgânicos.

 

 

Assim, o outrora impensável agora é normal para muita gente: ler o rótulo de desodorantes, sabonetes, xampus, hidratantes e maquiagens em busca de indicadores de procedência não agressiva antes de colocar o produto no carrinho de compras. São pessoas que exultam quando encontram textos assim: “Fórmula 100% natural certificada, vegan, com ingredientes orgânicos, não contém derivados de petróleo (como óleo mineral e parafina), conservantes nocivos (como parabenos e formol), metais pesados (como chumbo e mercúrio), polietilenoglicóis (PEGs), triclosan, silicone, sulfatos, cloridrato de alumínio, acetato de tocoferol, talco, transgênicos (GMO), nanopartículas, produtos de origem animal, fragrâncias sintéticas nem corantes artificiais”. Haja fôlego!

 

É verdade que o segmento de produtos naturais, orgânicos e veganos ainda é novidade e há muito espaço a conquistar, mas tudo indica que ele veio para ficar. Um estudo feito pela Grand View Research, empresa gigante de análises e sediada em São Francisco, mostrou que, até 2025, o mercado orgânico de cuidados pessoais mundial atingirá US$ 25,11 bilhões (mais de R$ 110 bilhões). Ou seja, além de aquecido, é um negócio em plena expansão.

 

De olho em sua fatia de lucro, as grandes marcas já começaram a se transformar para atender o filão sustentável. Em 2017, a Kérastase (L’Oréal) lançou a linha Aura Botanica, com xampus e condicionadores feitos com 98% de ingredientes naturais. Outra gigante do mercado, a Unilever, também se reposicionou ao lançar, em 2019, a marca vegana Love, Beauty and Planet, com estação de refil no MorumbiShopping, em São Paulo, onde clientes podem levar uma embalagem vazia e limpa para reabastecer o produto, ou até mesmo entregar um frasco de outra marca para descarte e reciclável.

 

 

PEQUENO PRODUTOR

Mas as grandes empresas que se cuidem. Um aspecto singular dessa nova tendência de mercado é também celebrar produtores pequenos e locais, que se descobrem aqui e ali, pelo perfil no Instagram ou no boca a boca. A motivação para a criação da empresa é a sustentabilidade como causa pessoal. Eles criam produtos customizados, com ingredientes in natura – flores, ervas, óleos essenciais –, preferem usar embalagens de vidro, além de oferecerem cursos de saboaria natural, como que para “espalhar a palavra”.

 

“Usar um sabonete natural é um ato político. Mostra que você está do lado da vida”, diz o texto institucional da Lá do Mato, que tem entre seus produtos xampu sólido de abacate e rícino e sabonete de alecrim e sal grosso. A Jaci Natural faz sucesso com seus desodorantes em creme, chamados de “nuvem floral” e “nuvem herbal”, e dedica uma postagem no Instagram a explicar que seu potinho de 30 gramas rende o mesmo que um roll-on de 120 mililitros da farmácia – com produtos concentrados, usam-se menos embalagens, ainda que isso implique menos transações recorrentes. O item é um dos mais pedidos da Grama Sabonetes, multimarcas de cosméticos naturais com venda on-line e física, em Perdizes, São Paulo.

 

Prateleiras da Grama Sabonetes

 

Criada por Katia Pawlowskij em 2015, hoje a loja acolhe 35 marcas, entre nacionais e internacionais, como Tisserand, AromaStick e Odylique. “Demorou uns três anos para decolar. Eu não tinha público, as pessoas achavam caro, mas eu queria que percebessem que, no longo prazo, poderiam economizar com idas ao médico. É um trabalho de prevenção”, afirma Katia.

 

Há ainda as marcas médias, estruturadas, com certificação, que alcançam mais pontos de venda e ajudam a disseminar a tendência mesmo entre quem não faz a linha “natureba”. Idealizada pela jornalista Patrícia Lima em 2017, a Simple Organic ganhou fama ao assinar, no mesmo ano, a beleza do desfile da À La Garçonne, marca de Alexandre Herchcovitch, no São Paulo Fashion Week (SPFW). Foi a primeira marca de cosméticos orgânicos, veganos, naturais, cruelty free e sem gênero a fincar a bandeira da beleza natural e do consumo consciente no maior evento de moda. “Depois que me tornei mãe, me vi questionando o que usava e se maquiagens sintéticas poderiam ter contato com a pele do bebê”, explica Patricia.

 

Simple Organic

 

O que inicialmente era para ser um negócio somente digital tornou-se uma rede, com loja em São Paulo, franquias no Norte e no Nordeste, além de nas principais capitais do país. Ter certificados que comprovem o trabalho com produtos naturais, orgânicos e veganos é fundamental para qualquer marca do setor. Não é tão simples consegui-los, mas Patricia acumula selos como o do Peta Vegan e Cruelty Free, e recentemente recebeu a chancela do Instituto Lixo Zero, reconhecido internacionalmente pelo Zero Waste International Alliance, que tem como objetivo a redução do impacto e gerenciamento do resíduo sólido.

 

A Lola é outro bom exemplo. Criada por Dione Vasconcellos em 2011, despontou para o sucesso com produtos de embalagens divertidas, com foco em cabelos cacheados que, no máximo, eram livres de silicone e de sulfato. Em 2013, a marca tornou-se vegana. “A transição foi difícil porque tivemos de trocar fornecedores e matéria-prima. No começo houve rejeição por parte de clientes, mas eu explicava que no longo prazo seria melhor para todos, e aconteceu”, conta Dione, que foi influenciada pela filha Fernanda, de 26 anos. “Ela é de uma geração que se alimenta melhor, não tem carro, não come carne. Por influência dela, me tornei vegana. Seria impossível não levar a mesma filosofia para o trabalho.” A empresa, que começou com sete funcionários em 150 metros quadrados, hoje emprega 400 pessoas em um espaço de 16 mil metros quadrados e tem duas lojas.

 

NO INÍCIO, ERA TUDO MATO

Hoje esse segmento é tão lucrativo que marcas que saíram na frente, caso da Natura, fecham negócios tipo arrasa-quarteirão. O grupo, já detentor da Body Shop e Aesop, realizou a compra da Avon por cerca de US$ 2 bilhões (R$ 9 bilhões), tornando-se o quarto maior grupo de beleza do mundo. De olho no crescimento do mercado de beleza sustentável brasileiro, a Aveda, outra pioneira, conhecida por seus mais de 500 produtos capilares de origem botânica, abriu no ano passado um salão de beleza em São Paulo.

 

“Nosso posicionamento – produtos de alto desempenho desenvolvidos com ingredientes botânicos e uma missão de responsabilidade ambiental – está diretamente alinhado com o que o mercado brasileiro quer agora”, diz Maria-Laura Santos Tarnow, gerente geral da Estée Lauder Brasil.

 

É bom mesmo não subestimar os consumidores. Além de se informarem muito mais do que anteriormente, há uma cadeia de influenciadores de guarda montada nas redes sociais, prestando um serviço de utilidade pública ao alertar os seguidores sobre boas práticas de consumo, reciclagem e também sobre o greenwashing, a tática de marketing que pinta um produto ou marca como se fosse sustentável (verde), mas que… não passa de fake news. Esses, mais cedo ou mais tarde, se revelarão insustentáveis.

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Entenda as diferenças

 

COSMÉTICO NATURAL

Deve possuir, no mínimo, 95% do total de suas matérias-primas de origem natural e os 5% restantes de matérias-primas orgânicas e/ou sintéticas, desde que esses ingredientes não atendam pelo nome de parabeno, petrolato, triclosan, mercúrio, óleo mineral, hidroquinona, polietilenoglicóis (PEGs), imidazolidinyl urea, diazolidinyl urea, lauril sulfato de sódio, lauril éter sulfato de sódio, BHA, BHT e silicone.

COSMÉTICO ORGÂNICO

É formulado com matérias-primas naturais certificadas, produzidas com base em sustentabilidade. A plantação e colheita não agridem o meio ambiente, pois são livres de agrotóxicos e outros agentes químicos. Para ser considerado orgânico, o cosmético recebe certificação de empresas como Ecocert, IBD, Natrue e USDA. A lista dos ingredientes proibidos na formulação, citada no item Cosmético natural, também vale aqui.

COSMÉTICO VEGANO

Trata-se de um produto que não leva matérias-primas de origem animal, como mel, cera de abe – lha, lanolina, colágeno, albumina, carmim e gelatina. Um cosmético dessa categoria pode não ser natural ou orgânico. Cuidado: os fabricantes podem substituir cera de abelha pela parafina ou vaselina, substâncias derivadas do pe – tróleo e não biodegradáveis. Por isso, vale sempre ler o rótulo das embalagens.

 

SUSTENTABILIDADE por Luciane Angelo | Matéria publicada na edição 115 da Revista Versatille.

 

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