Mais do que uma grife, um estilo: tudo sobre o império da maison Chanel
A ilustre estilista francesa deu ao mundo o chique minimalista, objetos de desejo e, é claro, o perfume mais famoso da história
Por Maria Alice Prado
No auge do estrelato, em 1960, Marilyn Monroe provocou quando perguntada sobre o que usava para dormir: “Apenas duas gotinhas de Chanel nº5”. Em menos de dez palavras, a atriz fortaleceu a aura de imortalidade de uma das maiores grifes do mercado de luxo e a tornar este o perfume mais famoso da história contemporânea.
Hoje, a fortuna de mais de US$ 30 bilhões pertencente aos irmãos Wertheimer, atuais donos da maison, é fruto de uma longa caminhada que começou há 110 anos pelas mãos de uma das mulheres mais emblemáticas do universo da moda: Coco Chanel, nascida em 19 de agosto de 1883 em Saumur, na França.
Chanel e a revolução da moda nos anos 1920
Simplicidade e elegância definem Gabrielle “Coco” Chanel, a estilista que revolucionou a década de 20, libertando as mulheres dos antigos trajes desconfortáveis e rígidos. Um verdadeiro mito, Chanel reproduziu sua própria imagem: a mulher do século XX, independente, bem-sucedida e com personalidade.
O chique minimalista nas inúmeras marcas registradas da maison, como o pretinho básico, vestidos com cortes, bolsas com alças e até o perfume mais vendido do mundo, consagrou o que é chamado de estilo Chanel. Muito mais que o nome de uma marca, a grife é conhecida e desejada em todas as partes do globo.
“Eu criei um estilo para um mundo inteiro. Vê-se em todas as lojas ‘estilo Chanel’. Não há nada que se assemelhe. Sou escrava do meu estilo. Um estilo não sai da moda; Chanel não sai da moda.” (Gabrielle Bonheur Chanel)
Há quem ame e há quem tenha suas ressalvas sobre Gabrielle Bonheur Chanel e todo seu império. No entanto, é inegável que ela foi uma das mulheres mais revolucionárias tanto para a moda quanto para a cultura e o comportamento da sociedade. Não é à toa que Coco Chanel, como passou a ser chamada na adolescência, é a única designer de moda selecionada na lista das cem pessoas mais influentes do século XX da revista Tempo.
Conheça, a seguir, toda a história da criadora e da criação: Gabrielle “Coco” Chanel e a maison que permanece forte após quase meio século de sua morte (em 10 de janeiro de 1971).
Quem foi Gabrielle Bonheur Chanel?
Não tem como contar a história da grife sem dar destaque à mente brilhante por trás do nome Chanel.
A história de Gabrielle Bonheur Chanel é repleta de reviravoltas, a começar pela sua infância. Na tentativa de blindar os olhares para seu passado humilde e sem glamour, a designer contava diferentes histórias sobre sua origem. A verdade é que Gabrielle era filha de uma lavadeira que morreu de tuberculose e de um pai que abandonou a família. Aos doze anos, ela e suas irmãs foram colocadas em um orfanato de freiras.
Por que Coco Chanel?
Gabrielle foi transferida para um pensionato aos 18 anos, mas a vida simples da cidade interiorana não condizia com suas ambições. No centro da França, na cidade de Moulins, a estilista trabalhou em um cabaré chamado Café Beuglant de la Rotonde.
É lá que nasce o nome pela qual ficou conhecida até morrer. As canções “Ko-ko-ki-ko” e “Qui qu’a vu Coco”, que a jovem cantava no local, chamaram a atenção dos galantes militares do 10º Regimento de Cavalaria, que apelidaram a moça de Coco. Sob esse nome, Gabrielle Chanel conquistou milhares de vitrines ao redor do mundo.
O tailleur, uma marcas registradas do estilo Chanel
A visão à frente de seu tempo sempre foi um dos pontos fortes de Coco Chanel. A marca que carrega seu nome trouxe inovação muito além da moda, marcando aspectos culturais e sociais com suas tendências.
O tailleur começou a fazer parte da vida de Chanel cedo. Já no começo do século XX, há documentos que mostram Chanel com casacos e saias escuros e compridos. Vestia a peça também nas corridas a cavalo a que ia como companhia de Etienne Balsan. Depois, incorporou para si modelos mais curtos em cores contrastantes e com debruns, feitos de tweed ou buclê. As duas peças mais icônicas da moda tornaram-se peças-chave nos anos 1950, quando Mademoiselle reabriu sua maison, em 1954, após a Segunda Guerra Mundial.
Os tailleurs de Chanel receberam críticas por parte dos franceses no período de reabertura, mas tiveram apoio firme e forte das mulheres do outro lado do Atlântico. É por isso que o conjuntinho mantém-se até hoje na moda – com adaptações feitas com o passar do tempo, naturalmente.
Foi nos anos 1960 que o conjunto se eternizou, principalmente por causa da predileção de Jackie Kennedy pelo modelo. A então primeira-dama dos EUA usava tailleurs na maior parte do tempo, e inclusive estava com um no dia do assassinato de seu marido, John Kennedy, em 22 de novembro de 1963.
Quanto custa uma bolsa Chanel?
Na tentativa de libertar as mulheres que, até então, somente carregavam as bolsas na mão, Chanel criou o modelo “2.55”. A grande inovação foram as alças, nunca vistas antes. Coco Chanel lançou mais uma ícone para a moda, usando a seguinte explicação: “Estava cansada de carregar minha bolsa na mão e perdê-la, então coloquei uma alça longa e passei a carregá-la no ombro”.
A 2.55 original vem com uma corrente dourada transpassada por couro, mas hoje já existem outras versões, cores e tamanhos. Já o matelassê, feito com uma técnica mantida em segredo, e os Cs cruzados permanecem em todos os modelos. O preço do mimo, em 2020, começa em US$ 5.800, segundo o site Purseblog.
O 2.55 Reissue, em 2005, marcou o lançamento de uma nova versão da 2.55 original, em comemoração aos 50 anos da peça. Na época, quem dirigia a Maison era Karl Lagerfeld – o estilista foi o responsável por criar a bolsa Classic Flap, com o fecho dos dois CC entrelaçados. Atualmente, a versão mais barata (e menor) da peça custa US$ 3.500 e a mais cara chega a US$ 7.700.
O vestido “pretinho básico”
O “pretinho básico”, curinga que ocupa o armário de toda mulher até os dias de hoje, também leva assinatura de Mademoiselle. Até a década de 1920, preto era uma cor reservada para funerais e senhoras em luto.
Chanel consagrou a combinação de modelo e cor como item fashion já em 1926, ao posar para a capa da revista Vogue usando seu próprio pretinho básico. Na década de 1960, o filme “Bonequinha de Luxo”, estrelado por Audrey Hepburn, tornou a peça eterna, pop sem perder a elegância.
Chanel nº5: 80 substâncias e um número de sorte
O perfume mais famoso do mundo não poderia ser invenção de nenhum outro nome que não Coco Chanel. Em comemoração aos seus 40 anos, em 1923, Coco lançou um verdadeiro ícone mundial, o Chanel Nº 5, com direito a ser a primeira designer renomada a titular uma fragrância com seu próprio nome.
O químico Ernest Beaux usou nada menos que oitenta substâncias – incluindo flores raras do oriente e essência do pau-rosa, árvore tropical ameaçada de extinção – para satisfazer as exigências de Chanel. Há quem diga que o número da sorte de Gabrielle era 5, por isso foi escolhido. Distribuído em frascos de um design simples, revolucionou a indústria de perfumaria.
Construção do império Chanel
A história da maison teve início em 1910. No café onde ganhou seu apelido, na cidade de Moulins, Gabrielle conheceu Etienne Balsan, um militar filho de pessoas importantes do ramo têxtil. Os jovens passaram a morar juntos em um luxuoso castelo, e tal envolvimento com o milionário levou-a a Paris e a inseriu na alta sociedade da capital francesa.
Apesar de viver com o militar Balsan, eles nunca oficializaram a união – algo que parecia absurdo em uma sociedade aristocrata. Um outro detalhe foi ainda mais polêmico: Coco tinha alguns amantes, entre eles, o jovem jogador de pólo britânico Arthur Capel, mais conhecido como Boy Capel.
Muitos apostam que Boy foi o grande amor da vida da estilista. Seja verdade ou não, fato é que com a ajuda de Capel Coco conseguiu montar a sua primeira loja de chapéus: a Chanel Modes. O ano era 1910 e o local, o piso térreo de um edifício em Paris.
Os chapéus de palha que não saíam da cabeça de Mademoiselle passaram a ser muito procurados por muitas mulheres. A simplicidade combinada à elegância dos acessórios criou uma verdadeira tendência que logo foi vestida por toda Paris – tal estilo minimalista chamou a atenção, inclusive, da finíssima sociedade parisiense.
Quando os canotiers, nome desses chapeuzinhos, estrelaram uma página inteira da influente revista Les Modes, e Chanel assinou o penteado e os chapéus da atriz francesa mais famosa da época, Gabrielle Dorziat, veio a consagração. Foram os empurrões decisivos para, em 1911, a modista abandonar o pequeno estúdio e abrir sua clássica loja, no número 31 da rue Cambon, paralela ao famosíssimo Faubourg Saint Honoré, a alameda parisiense das grandes grifes.
Chanel Rue Cambon 31, um ponto turístico em Paris
A partir desse ponto, Coco deslanchou. Em quatro anos abriu mais duas boutiques, uma na cidade de Deauville e outra também em Paris. Já nos primeiros anos de atuação, a marca se consolidou como uma potência no segmento de moda.
Durante a Primeira Guerra Mundial, que teve início em 1914, Gabrielle Chanel Modas foi a única loja a permanecer aberta em Deauville. Em uma época de austeridade, ostentar vestidos extremamente sofisticados não era prioridade. Brilhantemente, a etiqueta minimalista de Chanel atendia a essas novas necessidades. No ano de 1915, apenas cinco anos após o lançamento, a marca já contava com um contingente de aproximadamente 300 colaboradores.
Muito mais do que apenas uma sede da grife, a loja pioneira do universo Chanel é atualmente uma atração turística da Cidade Luz. Os produtos e todo o ambiente são personalizados à “moda Cambon” e contam com o aroma exclusivo do perfume Chanel nº 5 para saudar os visitantes.
O auge da fama
A estilista conquistou a fama internacional na década de 1930, quando atrizes de Hollywood começaram a utilizar produtos Chanel. Neste auge da fama, a marca empregava 4.000 funcionários e chegou a vender 28.000 peças em um único ano.
O sucesso se consolidava cada vez mais porque Coco sempre manteve uma característica que marcou toda sua carreira: apenas desenhava roupas que gostava de vestir. Não desenhava esboços no papel, criava-os em cima do tecido, no corpo da modelo. A dama defendia que a roupa deveria se adequar ao corpo, e não o contrário.
Coco Chanel foi uma agente nazista?
A Segunda Guerra Mundial mudou o espectro de todo o mundo, inclusive para a Chanel. Após anos de ascensão, foi preciso dar um tempo no sucesso: a marca fechou as portas em 1938, durante a guerra. É assim que surge mais uma polêmica sobre a vida da estilista. Algumas biografias, lançadas em tempos mais recentes, apontam que Coco Chanel foi recrutada pela espionagem alemã.
A história de Coco com os nazistas começou quando seu sobrinho, Andre Palasse, se tornou prisioneiro de guerra dos alemães. Após o suicídio da irmã, Coco o acolheu como filho e se propôs a fazer de tudo para libertá-lo dos campos nazistas.
Para isso, teria concordado em ser uma agente intermediária entre os alemães e seus importantes contatos, que incluíam o então homem mais rico da Europa e ex-amante dela, duque de Westminster, e o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Winston Churchill.
Chanel teria participado de operações como a Modelhut e viveu um romance com o barão Hans Günter Dincklage, que atuava como espião do serviço secreto alemão. Após a libertação da França pelos aliados, em 1944, Coco foi algumas vezes obrigada a comparecer à Justiça para explicar suas relações com os alemães, sempre negando seu envolvimento com a inteligência nazista. Por conta das polêmicas, Chanel foi morar temporariamente na Suíça após a guerra.
Depois de alguns anos longe das vitrines, veio mais uma jogada fantástica de Coco Chanel. O mundo da moda reagiu às mudanças da guerra com a volta das tendências extravagantes. Foi aí que, surpreendentemente, Coco se reergueu e voltou a fazer sucesso com seu estilo minimalista. A retomada dos negócios na alta costura foi um renascimento para a maison.
O cardigã, o vestido preto e as pérolas tornaram-se marcas registradas da marca. Foi quando a revista Elle destacou a coleção de 1958 com a chamada: “Dez milhões de mulheres votam Chanel”. As francesas ficaram maravilhadas.
Chanel, quebra da feminilidade e uma nova era para as mulheres
A essa altura da história de Coco Chanel, já era evidente que ela não era uma mente ordinária, e que a marca desenvolveu um estilo que se expandiu para além de simples peças de roupa.
A origem dessas influências que caracterizaram um design insurgente para a sociedade da época é curiosa: na busca pela simplicidade, Chanel foi pioneira em utilizar peças de um guarda-roupa antes considerado masculino e transformá-las em uma bela composição confortável que não limitasse o corpo das mulheres.
Como Etienne, primeiro companheiro da estilista, tinha uma silhueta enxuta, suas roupas geralmente serviam no corpo miúdo de Coco, que tinha aversão aos babados, plumas e rendas que dominavam o guarda-roupa feminino da época. Preferia adaptar trajes masculinos e, em pouco tempo, conquistou artistas, esportistas e escritoras, que passaram a procurar Coco, pedindo dicas e muitas vezes disputavam os seus famosos chapeuzinhos de palha.
Com uma cabeça repleta de subversões, Coco passou a cortar suas peças para dar lugar ao bolsos, que mais tarde se tornariam verdadeiros ícones das peças Chanel – “na altura exata em que as mãos gostam de descansar”, descreveu.
Como se não bastasse as peças que desenhava, o comportamento despojado e provocador da estilista a tornou uma celebridade. Chanel era das poucas mulheres que usavam maiôs na praia. E eles eram feitos com suéteres vindo das peças dos namorados.
É certo que as inovações trouxeram um novo olhar para a silhueta feminina, e é por quebrar alguns paradigmas da feminilidade que o legado da designer não só sobrevive, mas é de suma importância até os dias atuais.
A morte de Coco Chanel
Longe do glamour e dos holofotes, Coco morreu sozinha no quarto do hotel Ritz em que vivia, em 10 de janeiro de 1971. Ela tinha 88 anos e, segundo algumas biografias, havia dito a uma das camareiras que o fim da vida de uma mulher até pode ser solitário, mas jamais sem luxo. Depois de sua morte, o empresário francês Jacques Wertheimer, que mantinha proximidade com Coco Chanel desde 1954, comprou a marca e a manteve sem grandes inovações, lucrando com a venda de perfumes, cosméticos e acessórios.
O kaiser e a nova fase Chanel
O ano de 1983 foi marcado pela chegada do alemão Karl Lagerfeld à empresa, no cargo de diretor artístico da marca tanto para a linha de alta costura quanto para a da ready-to-wear. Era o início de uma nova e glamourosa fase para a marca Chanel, agora comandada pelo “Kaiser da Moda”.
Sob o comando de Lagerfeld, a Chanel atravessou a segunda metade do século XX e se tornou atemporal. Nos anos 1990, a Chanel inaugurou mais de 40 lojas próprias nas mais elegantes e sofisticadas avenidas e cidades do mundo. O icônico diretor foi fundamental para que a maison continuasse em alta – e sem perder a essência da sua criadora.
A Chanel passou a abrir boutiques especializadas em acessórios, como a luxuosa loja em Nova York que oferece apenas joias e relógios. O kaiser mantinha um estilo único e que se destacava: roupas pretas, rabo de cavalo, luvas e seus óculos escuros se tornaram marca registrada. A excentricidade do executivo marcou a Chanel, onde ficou até a sua morte, no início de 2019.
Maison Chanel nos anos 2020
Hoje, quem responde pela direção da maison é Virginie Viard, que foi assistente de Lagerfeld desde 1987.
A maison continua sua produção de bolsas, roupas, sapatos e acessórios que são o sonho de muitas pessoas ao redor do mundo. Além disso, a marca expandiu seu portfólio com o lançamento de cosméticos, óculos de sol e de grau.
O legado de Coco permanece. E sem prazo de validade. Eterno.
Fotos: Divulgação/Reprodução Chanel/Unsplash/Reprodução Wikipedia Communs