Le Chef D’ORCHESTRE

À frente da gastronomia do novo Palácio Tangará, o chef-celebridade e restaurateur Jean-Georges Vongerichten fala sobre a chegada ao mercado brasileiro, os desafios, a filosofia de trabalho e a redescoberta do maracujá e do caju Aos

À frente da gastronomia do novo Palácio Tangará, o chef-celebridade e restaurateur Jean-Georges Vongerichten fala sobre a chegada ao mercado brasileiro, os desafios, a filosofia de trabalho e a redescoberta do maracujá e do caju

 

Aos 60 anos de idade, dos quais mais de quatro décadas dedicadas ao ofício, ele é um dos grandes nomes da atual cena gastronômica internacional. Como seu compatriota, o globalizado e chef-celebridade Alain Ducasse, construiu um império gastronômico, com restaurantes espalhados em Nova York, Londres, Las Vegas, Saint Barth, Xangai, Tóquio e, agora, São Paulo. Classe de 1957, nascido e criado nos arredores de Estrasburgo, na Alsácia, extremo leste francês, fronteira com a Alemanha, as primeiras lembranças de Jean-George são os aromas dos temperos e os sabores da comida feita pela mãe e a avó na cozinha de sua casa, no interior da França, para cerca de 50 funcionários que trabalhavam nos negócios da família.

 

Tal sedução e vocação precoce para os fogões o direcionariam, desde cedo, rumo à cozinha profissional. Seu batismo de fogo na alta restauração ocorreu ainda meninote, aos meros 16 anos, em um estágio no três estrelas Michellin Auberge de I’ll como aprendiz do chef Paul Haeberlin. A seguir, entre os anos 1970 e 1980, integrou as equipes dos super estrelados Louis Outhier e Paul Bocuse, pai da Nouvelle Cuisine e um dos mitos da moderna cozinha francesa e de todos os tempos, trio de cozinheiros que acabaria por influenciar fortemente a bem-sucedida trajetória.

 

Mas foram os anos vividos em Bangcoc, Cingapura e Hong-Kong, onde trabalhou em grandes hotéis, que mudaram seu jeito de cozinhar e fizeram aflorar a apurada relação entre o perfeccionismo da técnica francesa presente em sua formação ao frescor e nos múltiplos sabores dos ingredientes asiáticos. Essa metamorfose profissional moldaria, definitivamente, seu estilo tornando-se uma de suas marcas registradas.

 

Hoje, a cozinha de fusão de Vongerichten resulta em criações contemporâneas de assinatura própria inconfundível: instigantes, originais e que valorizam ingredientes nogmos (não modificados geneticamente), obtidos de modo orgânico, sustentável e provenientes de produtores locais, princípios basilares e uma das principais bandeiras do chef francês.

 

Em 1987, aos 30 anos, Jean-Georges trocou a Ásia pelos Estados Unidos, onde consolidou sua carreira, ampliando sua fama. Transferiu-se para Nova York, onde abriu o Bistro Jojo, o primeiro de um império que tem hoje 32 restaurantes pelo mundo, entre os próprios e aqueles nos quais assina o cardápio, como o paulistano Tangará Jean-Georges, sua 33ª casa. Abrigada no ultrarrequintado Palácio Tangará, junto ao Parque Burle Marx, na antiga chácara do falecido milionário Baby Pignatari, esse luxuoso endereço paulistano ostenta a bandeira Oetker Collection, que pertence a um fundo de investimento americano. A parceria com o grupo norte-americano é o primeiro empreendimento na América do Sul.

 

Da Big Apple, seu principal QG, mas com vindas regulares a São Paulo, Jean-Georges Vongerichten capitaneará as experiências gastronômicas do hotel, que inclui o restaurante autoral Tangará Jean-Georges, com a exclusiva mesa do chef, o Burle Bar, o Parque Lounge & Terrace, serviço de quarto e banqueteria. Para cumprir à perfeição tal missão, o chef conta com uma equipe de cozinha local liderada pelo tarimbado chef francês Pascal Valero, radicado na capital paulista desde 2002 e que comandou o Grand Hyatt Hotel, Le Coq Hardy e Jockey Club de São Paulo, entre outros.

 

Clique nas imagens para ampliar

 

Confira, a seguir, os melhores momentos da entrevista concedida com exclusividade a Versatille, na qual Vongerichten fala sobre a chegada ao mercado brasileiro, filosofia de trabalho e a descoberta e o futuro aproveitamento de ingredientes brasileiros no seu repertório de sabores.

 

VERSATILLE — Depois de Europa, Ásia, EUA e Caribe, o senhor está vindo, agora, para São Paulo para abrir a sua 33a casa. Por que decidiu vir para o Brasil e não para outro país da América do Sul?

JEAN-GEORGES — Tenho uma parceria de longa data com Oetker Collection, tanto profissional quanto pessoal. Há seis anos me juntei ao grupo para operarmos no Caribe, no Eden Rock St Barth’s. Após essa nossa primeira cooperação profissional bem-sucedida, tive o convite para trabalhar em São Paulo. O patrimônio histórico, a cultura, o estilo de vida alegre dos brasileiros e a enorme variedade de produtos locais combinados à espetacular arquitetura e ao design do hotel no Parque Burle Marx fazem desse um projeto muito especial para mim. Eu e minha equipe estamos muito entusiasmados com a parceria e o grande potencial oferecido pelo Palácio Tangará.

 

VERSATILLE — Sob o ponto de vista de conceito culinário, qual experiência o consumidor brasileiro poderá ter ao comer num dos restaurantes comandados pelo senhor?

JEAN-GEORGES — Tanto clientes quanto hóspedes poderão desfrutar uma cozinha artesanal e autoral elaborada com ingredientes sazonais locais da melhor qualidade. Essa será a principal assinatura dos nossos restaurantes.

 

VERSATILLE  — Que tipo de informação o senhor tinha sobre o consumidor brasileiro?

JEAN-GEORGES — Antes de abrirmos o Palácio Tangará, eu e minha equipe percorremos algumas capitais do país para conhecer um pouco mais as preferências do brasileiro. Visitamos mercados, provamos produtos, conversamos com profissionais e comemos em muitos dos restaurantes locais. Eu também já conhecia alguns brasileiros que frequentavam meus restaurantes em Nova York e em outras cidades do mundo.

 

VERSATILLE — Durante a recente estadia em São Paulo, em maio, o senhor teve a oportunidade de provar ingredientes brasileiros. O que achou?

JEAN-GEORGES — Fiquei bastante impressionado com a diversidade e a qualidade geral dos ingredientes disponíveis no Mercadão Municipal de São Paulo. Jamais havia visto tamanha oferta, comparando-se com outros lugares que conheço. Chamou muito minha atenção a doçura do maracujá e a do caju que provei — eram incríveis! Também saboreei diferentes cortes de carne e uma variedade de peixes que reputo como algumas das melhores que já provei em todas as viagens que já fiz.

 

VERSATILLE — Já esteve na Amazônia ou em outra região do país a fim de conhecer nossos ingredientes regionais?

JEAN-GEORGES — Ainda não pude conhecê-la, mas estou ansioso para fazer essa viagem, e a outras regiões brasileiras. À medida que expandirmos nosso conhecimento dos ingredientes locais, começarei a incorporá-los cada vez mais aos nossos menus.

 

VERSATILLE — E durante sua recente passagem por São Paulo pôde comer em outros lugares, além do Tangará?

JEAN-GEORGES — Sim, por dever do ofício, fui conhecer e comer em vários lugares. Caso dos dois restaurantes do chef Alex Atala (D.O.M. e Dalva e Dito). Do Mani de Helena Rizzo. Do Nino Cucina de Rodolfo de Santis. Do Chou, de Gabriela Barretto. Da Casa de Porco, de Jefferson Rueda. E de um bar, o SubAstor, que tem ótimos drinques e comida.

 

VERSATILLE — O senhor iniciou a carreira com o chef Paul Haeberlin e, a seguir, trabalhou com ninguém menos que Louis Outhier e Paul Bocuse, o icônico chef francês da Nouvelle Cuisine, mundialmente conhecido. Que influências esses chefs tiveram na sua formação?

JEAN-GEORGES — São chefs talentosos e meus grandes mentores. Muitas das técnicas que aprendi com todos eles estão presentes até hoje e são, também, transmitidas às minhas equipes em todo o mundo.

 

VERSATILLE — De acordo com sua biografia, as primeiras memórias relacionadas à comida são do ambiente familiar vivido na Alsácia. Quais diferenças entre o ato de cozinhar em casa e profissionalmente? Onde o senhor se sente mais feliz?

JEAN-GEORGES —São coisas totalmente diferentes, mas que exigem a mesma dedicação e paixão, de fazer algo, e, sempre, o melhor, para o outro desfrutar. Quando co zinho para os meus dois filhos, Cedrid e Philippe, uso todos os ingredientes que tenho à mão. É uma coisa muito emotiva e amo cozinhar para eles. Mas a cozinha profissional é a minha grande paixão.

 

VERSATILLE — De algum modo, sente o peso de ser apontado por críticos e imprensa especializada como um dos principais e mais importantes chefs da atualidade? Há algum tipo de pressão de manter-se entre os melhores?

JEAN-GEORGES — Hoje o uso das mídias sociais faz que todo cliente seja um “crítico”. Há sempre alguém que publica uma foto ou comenta sobre a experiência que teve num restaurante famoso (ou não), seja boa ou ruim. Há, obviamente, um certo estresse dos profissionais em relação a isso, no qual, também, me incluo. Mas, em geral, encaro isso de uma forma tranquila, já que o objetivo é sempre oferecer o melhor a nossos clientes.

 

VERSATILLE — E como o senhor reage diante de uma crítica ruim ou de um cliente que reclama de um prato mal executado?

JEAN-GEORGES — Com naturalidade. Encaro com seriedade todas as opiniões, sejam boas ou más. Creio que, no dia-a-dia de um restaurante, sempre há espaço para crescer e tentar buscar a excelência. Costumo responder a todos os comentários dos meus clientes, sobretudo quando há uma crítica. Quando algo dá errado, espero que o cliente me dê uma outra oportunidade para corrigi-lo e, mais, superar suas expectativas.

 

VERSATILLE –  O senhor é tido como um chef disciplinador e exigente. Qual a importância da hierarquia dentro de uma cozinha profissional?

JEAN-GEORGES — É fundamental tanto quanto o talento e a experiência dos profissionais que atuam ali. Sou um apaixonado por organização, limpeza e aparência, sobretudo quando se trata da minha equipe. A maneira como você organiza o trabalho se reflete diretamente à maneira como você cozinha e no resultado final.

 

VERSATILLE — Já errou em alguma receita que foi à mesa? Em sua opinião, é aceitável cometer erros em restaurantes de altíssimo nível como os do Palácio Tangará?

JEAN-GEORGES — Sim, muitas, isso faz parte do aprendizado de todo cozinheiro. Na história da gastronomia, grandes pratos nasceram a partir de erros. Meu gâteau de chocolate quente, uma das marcas registradas do meu trabalho, surgiu assim. Preparei vários deles para um evento e não gostei. Achei que estavam em um ponto de cozimento equivocado. Mas foi um sucesso! Desse meu “erro” nasceu a sobremesa que é uma das mais pedidas do meu menu.

 

VERSATILLE — Em sua opinião é possível fazer um grande prato sem bons ingredientes? Técnica ou matéria-prima: o que é mais importante?

JEAN-GEORGES — Sem dúvida, é a qualidade dos ingredientes. Nesse sentido, em todos os meus 33 restaurantes, incluindo os do Palácio Tangará, me esforço para servir sempre os melhores produtos. E, de preferência, no-gmo (não modificados geneticamente) e obtidos de modo orgânico, sustentável e de produção local.

 

VERSATILLE — O senhor faz uma cozinha autoral, a marca registrada dos grandes chefs. Qual o desafio de ter que ser sempre criativo e surpreender o cliente?

JEAN-GEORGES — Nesse ponto me considero um privilegiado. Como viajo pelo mundo todo, aquilo que vejo em cada país no qual trabalho e visito me inspira a criar, a utilizar novos ingredientes. Isso me move é o que faz que me reinvente a cada dia.

 

VERSATILLE — E como vê as recentes tendências culinárias?

 JEAN-GEORGES — Mais do que nunca, hoje, as pessoas querem saber de onde vem a comida, sua procedência, a origem dos ingredientes. Esse movimento que impera em todos os grandes mercados mundiais, o do “farm to table”, de uma alimentação saudável e sustentável, não é uma tendência mas a forma de comer dos dias atuais e como o consumidor, atualmente, entende que quer se alimentar, o que também defendo.

 

VERSATILLE — Que conselhos daria a um jovem cozinheiro que deseja se tornar um grande chef?

JEAN-GEORGES — Para ser um grande profissional é preciso passar por todas as funções dentro de uma cozinha. Desempenhá-las bem, desde lavar um copo, um prato. Para exigir o melhor, é preciso que o chef saiba fazer o melhor. É preciso, portanto, trabalhar duro. A qualquer tempo. E nunca, nunca, deixar de aprender.

 

VERSATILLE — Se pudesse escolher, qual seria seu prato mais emblemático, aquele que você gostaria de ser lembrado daqui a cem anos?

JEAN-GEORGES — Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Mas, pensando bem, o meu gâteau de chocolates talvez seja o mais simbólico, pois ele está presente nos meus menus desde o começo da minha trajetória profissional. Oxalá esta sobremesa bem como o meu trabalho possam ser lembrados não daqui a cem anos mas durante muito, muito tempo por quem ama comer bem.

 

ENTREVISTA por Marco Merguizzo | Matéria publicada na edição 98 da Revista Versatille

 

Para quem pensa em ir para o Japão em busca de uma nova vida, também poderá procurar empregos aqui.