Será que o seu celular está te espionando?

O celular fica 24 horas por dia pertinho de você. até que ponto dá para confiar nele? Rosana Hermann dá dicas para essa relação não desandar

Cada vez que você digita sua senha numa maquininha para fazer um pagamento, você deixa um registro na empresa que opera seu cartão. Seja um café na padaria, seja uma compra on-line, todas as transações ficam arquivadas com dia, hora, local e valor. A operadora de seu cartão sabe tanto sobre seus hábitos que, quando você foge do próprio “perfil”, ela entra em contato para verificar se foi você mesmo que fez aquela compra. Isso quando não bloqueia seu cartão sumariamente como protocolo de segurança. Sua vida de consumidor é totalmente rastreada.

 

Sua vida na Internet também. Todos os textos, fotos e vídeos que você já publicou, likes e comentários, sites visitados, tudo registrado. O Google, por exemplo, além de acompanhar suas atividades on-line, usa geolocalização para saber onde você mora e trabalha, daí arquiva todos os seus deslocamentos. Eu, que não desabilitei essa função, posso ver no mapa-múndi do Google Maps cada lugar onde estive desde 2009. Não escapa nada. É assustador? É, mas pelo menos se eu precisar de um álibi já tenho as provas.

 

Não bastasse isso, depois de 50 anos de cartão de crédito e 25 de Internet rastreando a vida do brasileiro, há pouco mais de dez anos temos convivido, dia e noite, com um novo “espião” constante em nossa vida. Que, além de tudo, é muito mais poderoso: o smartphone.

 

E bota poder nisso, porque esse celular inteligente, que tudo faz, tudo pode, tudo sabe, tudo ouve e tudo vê, também tem a capacidade de enviar seus dados para empresas e pessoas sem que você perceba. Outro dia pesquisei uma sandália para minha filha e, em segundos, em qualquer site, em todos os anúncios e até em meu gmail apareciam sapatos chutando minha cara.

 

Em outras palavras, a verdade é que você está sendo espionado por seu melhor amigo. Só que não exatamente do jeito que imaginamos.

 

Até hoje não há nenhuma prova de que seu celular sorrateiramente acione o microfone ou a câmera e faça gravações sem você saber. Quando você faz pesquisas de voz, no Google ou com uma assistente como a Siri, alguns de seus comandos de voz são gravados, sim, mas a alegação é que esses registros são feitos aleatoriamente para aprimorar o sistema, não são enviados para ninguém. Pelo menos por enquanto.

 

Não se pode dizer o mesmo de alguns aplicativos que você inocentemente instala em seu celular, como joguinhos, que coletam e enviam esses dados para vendê-los a terceiros. Uma pesquisa dinamarquesa de 2015 publicou que jogos como Angry Birds, Pandora e Candy Crush, que já foram grandes hits, rastreavam sua localização mesmo que você não tivesse dado permissão. E o que eles fazem com esses dados? Para que uma empresa se interessaria em saber se você foi visitar sua mãe ou passou na tinturaria? Resposta: para vender esses dados a terceiros.

 

O Washington Post publicou uma reportagem sobre a SafeGraph, empresa responsável por rastrear dados de mais de 10 milhões de smartphones nos Estados Unidos. Os números são assustadores: em novembro de 2016, a SafeGraph coletou 17 trilhões de dados de localização. Outros aplicativos conseguem reunir dados sobre sua navegação, gravando sua atividade na tela de seu celular.

 

Em julho de 2019, numa matéria para o site TechTudo, Filipe Garrett afirmou que, de acordo com pesquisadores do Instituto Internacional de Ciência da Computação (ICSI), mais de mil aplicativos para Android pegam dados dos usuários mesmo quando as permissões para isso não são concedidas. Esses dados podem ser coletados via redes públicas de wi-fi, por exemplo, que muitas vezes solicitam um cadastro com seu nome, e-mail e outras informações para oferecer a conexão.

 

Alguns aplicativos também acessam os metadados de suas fotos, como data, local e horário e até mesmo o Imei de seu aparelho. E, claro, no fim, seus dados não vão para serviços de inteligência e espionagem, mas para empresas interessadas em bombardear você com publicidade personalizada.

 

“Mas e a lei de proteção dos dados na Internet, que foi sancionada em 2018 pelo então presidente Michel Temer?” Sim, a lei foi sancionada e garante que serviços on-line públicos e privados devem coletar apenas os dados considerados necessários para a realização do que oferecem, bem como protege a anonimidade dos dados quando esses forem coletados para efeito de pesquisa. A lei também diz que informações como orientação sexual, saúde e religião não poderão ser usadas para a prática de abuso ou discriminação.

 

O problema, no entanto, não é a lei, mas o cumprimento dela. Veja o caso recente do escândalo do Facebook com a Cambridge Analytica, que hoje pode ser acompanhado não apenas em texto, mas em TED Talks e programas da Netflix. Mesmo com investigações e punições, não foi possível impedir o vazamento de informações de 50 milhões de usuários do Facebook no Estados Unidos.

 

O que fazer então, para garantir nossa privacidade, impedir que nossos dados sejam subtraídos sem nosso consentimento, que nossa atividade no celular não seja registrada e vendida? Antes de qualquer coisa, entender que não é nada pessoal. Vivemos num planeta em que 67% da população têm celular – estamos todos no mesmo barco.

 

A primeira medida é investir um tempo olhando as configurações de seu celular, especialmente aquelas ligadas a sua privacidade. Reveja suas permissões, verifique se tudo o que você habilitou é realmente necessário. Evite fazer login com contas de e-mails e de perfis de suas redes sociais, evite usar redes públicas de wi-fi. E, quando você tiver de fazer algum tipo de cadastro para acessar um serviço qualquer, use um e-mail criado especialmente para isso, não o endereço eletrônico pessoal que você usa de fato. Como último conselho, evite “brincadeiras” como testes, aplicativos gratuitos que alteram suas fotos, envelhecem ou rejuvenescem suas selfies. Já diz o ditado, não existe almoço grátis: se é grátis é porque o almoço é você.

 

Por enquanto, não há como impedir totalmente que seu smartphone colete e envie dados. Ele vai fazer isso. A lição a ser aprendida é que o celular é só um aparelho, não pode ser considerado um demônio nem seu melhor amigo, não deve ser confundido com a vida em si. Use-o sempre, o smartphone é uma maravilha, mas com moderação, como tudo na vida, para encontrar seu bem-estar digital.

 

COMPORTAMENTO por Rosana Hermann | Matéria publicada na edição 114 da Revista Versatille

 

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