Ecoturismo brasileiro: roteiro pelo sul da Amazônia
A região tem vegetação rica e localização estratégica, que facilita a observação de animais e plantas, além de fenômenos naturais, como os rios voadores
Por Daniela Filomeno
Viajar pelo Brasil é mesmo surpreendente. São inúmeras as possibilidades de roteiros, paisagens de tirar o fôlego, gastro – nomia e culturas regionais e, claro, nossa biodiversidade, que nos coloca entre os países com maior riqueza do mundo nesse sentido. A Amazônia é parte importante desse conjunto e uma rota turística envolvente, capaz de despertar o espírito desbravador. Entre as diversas faces da Amazônia brasileira está a região sul, um destino para a observação de pássaros, mamíferos, borboletas e sua rica flora. Essa área fica ao norte do estado do Mato Grosso, quase fronteira com o Pará.
Famosa por um dos biomas mais ricos já vistos – são pelo menos seis tipos de vegetações diferentes –, a excepcional diversidade cria uma composição dificilmente encontrada em uma única região. Um dado curioso é que fo – ram identificadas (em estudo realizado entre 2008 e 2010) 1.361 espécies de plantas, sendo cinco delas descritas pela primeira vez para a ciência. Realmente incrível. O sul da Amazônia abriga um terço das aves existentes no Brasil, ou seja, 600 diferentes espécies.
A proximidade com as regiões do Pantanal e do Cerrado também é um fator único nessa região da floresta: têm migração de muitos animais, facilitando a observação de várias espécies. Além disso, a reserva fica a cerca de 400 metros acima do nível do mar e, por isso, a umidade é mais sutil, o que pode tornar a experiência mais agradável para algumas pessoas. Isso também significa que o rio não alaga grande parte da floresta, com muita terra firme, permitindo que as caminhadas sejam feitas durante o ano todo, também aumentando as chances de observar animais.
Reserva Particular do Patrimônio Nacional do Cristalino
O sul da Amazônia também é conhecido por abrigar a Reserva Particular do Patrimônio Nacional do Cristalino, área de preservação da Floresta Amazônica e de ecoturismo sustentável, criada e mantida pelo hotel de selva Cristalino Lodge. A Fundação Cristalino conserva uma área de 12 mil hectares de floresta primária, ou seja, há mais de mil anos está lá. Para ter uma ideia, a reserva representa cerca de seis vezes o arquipélago de Fernando de Noronha. Isso incentivou o governo a proteger seu entorno, como o Parque Nacional do Cristalino, com 189.400 hectares, ainda com estratégia de manejo a ser definida. Essa extensão cria uma faixa de preservação, ainda pequena dentro da imensidão da Amazônia.
A reserva particular tem dois mirantes de 50 metros de altura, que funcionam principalmente como observatório da fauna e dos chamados “rios voadores”. Neles, a névoa originada pela água da floresta forma esse fascinante fenômeno, comum na região. Falando em rio, a reserva está às margens do Rio Cristalino, com águas limpas, tranquilas e alcalinas, característica que diminui consideravelmente a presença de mosquitos por lá.
Cantinho privilegiado da Região Sul
Em meio à natureza exuberante, o Cristalino Lodge oferece experiências únicas e foi construído em perfeita harmonia com a floresta que o cerca. O projeto arquitetônico é assinado por Adriana da Riva e conta com restaurante, bar, sala de leitura, sala de apresentações, deque aberto e uma incrível passarela que surpreende o hóspede logo na chegada. Um dos pontos altos é a plataforma flutuante, equipada com espreguiçadeiras, redes de descanso e ombrellones. O local permite tomar banhos no Rio Cristalino ou apenas relaxar após um dia cheio de aventuras. À noite, uma fogueira central é acesa, tornando o ambiente perfeito para apreciar o céu estrelado.
Selecionado como um dos 25 melhores ecolodges do mundo pela National Geografic Traveler, oferece uma experiência real de estar hospedado na floresta. Seus bangalôs estão embrenhados na mata, com trilhas até as áreas comuns. Sem ar-condicionado, telas e ventiladores climatizam os quartos, para uma oportunidade ainda maior de sentir o clima da floresta. No pico do período quente, em setembro, ou em tempos com menos chuvas, durante o dia, é possível sentir o poder da selva – é realmente quente. À noite, a brisa fresca ameniza a temperatura para um descanso das explorações. Janeiro e fevereiro são meses ideais para quem quer um clima mais ameno, mas lembrando que na floresta faz calor o ano todo.
Para chegar até lá, é necessário voar para Alta Floresta, cidade localizada ao norte do estado do Mato Grosso e a 820 quilômetros da capital, Cuiabá. Existem voos diários partindo das principais capitais do Brasil. Pousando em Alta Floresta, um transfer de carro disponibilizado pelo hotel leva o visitante por 30 quilômetros em uma estrada de terra com duração de até uma hora ao último trajeto: um rápido passeio de barco pelo Rio Cristalino até o hotel. O local é mais uma joia em meio a tanta exuberância da Floresta Amazônica. As acomodações se misturam com a mata nativa, propiciando uma sensação de paz. Já os bangalôs, projetados em madeira e piso de cerâmica, garantem uma acomodação confortável e aconchegante.
São 18 quartos no total e todos dispõem de ventilação natural, amplas vistas para a floresta e energia solar limpa e sustentável. Isso é possível porque a abundância de sol da região garante energia 24 horas por dia. Aliás, sustentabilidade é a palavra de ordem nesse lodge: o tratamento da água do chuveiro, esgoto, compostagem, tudo tem o menor impacto possível. Além da energia solar limpa, o hotel implementou ações com foco em responsabilidade socioambiental, como reciclagem e separação do lixo, tratamento dos efluentes cinzas e negros, arquitetura inteligente e uma culinária que prioriza produtos orgânicos e da estação.
Completam a experiência as opções oferecidas no cardápio do hotel. O restaurante serve culinária brasileira, com frutas e legumes orgânicos, peixes frescos e carnes variadas que se transformam em receitas deliciosas com um toque de arte e brasilidade. As sobremesas valorizam frutos da Amazônia pouco conhecidos no restante do país.
E, para conhecer a floresta que o cerca, o hotel oferece atividades ao ar livre, que incluem canoagem pelas águas calmas do Rio Cristalino, banho nas mornas águas do Rio Teles Pires, trilhas que garantem um entendimento profundo sobre o ecossistema tropical e visita às torres de observação, que chegam a 50 metros de altura, proporcionando vistas panorâmicas da reserva ambiental. A observação da fauna e da flora da região pode acontecer em vários momentos do dia.
Durante as atividades, e também nos momentos de descanso, você pode ser surpreendido com animais, flores e plantas nunca vistos. Inclusive, a área foi destacada como prioritária para conservação pelo Ministério do Meio Ambiente devido à incrível diversidade de espécies.
As iniciativas resultaram em premiações como o Global Vision Awards, da revista Travel & Leisure, e o Sustainable Vision Award, da Brazilian Luxury Travel Association. Além disso, o Cristalino Lodge foi eleito um dos 25 melhores ecolodges do mundo pela National Geographic Traveler, além de fazer parte das mais prestigiadas associações de turismo, como a Condé Nast Johansens, a Brazilian Luxury Travel Association e a Pure Life Experiences.
Dona Vitória
Fruto de uma mulher guerreira, Vitória Da Riva, que sempre sonhou em buscar alternativas para conservar a floresta e mostrar seu valor em pé. Muito engajada com o meio ambiente, participa de conselhos de conservação, sustentabilidade e ecoturismo. Dona Vitória entendeu que, para conservar, deveria ter sustentabilidade financeira. Daí, em 1992, iniciou um acompanhamento de selva (dormia em redes) para aplicar os princípios do ecoturismo na floresta. Com o passar dos anos, começou a receber muitos estrangeiros, pesquisadores e observadores de aves (aqui tem um terço de todas as espécies do Brasil), fauna e flora.
Em 2005, o Cristalino Lodge ganhou bangalôs e mais estrutura, áreas comuns e sala de conferência, já que muitos estudos seguem acontecendo aqui – de clima, fungos, botânica, mamíferos, aves… É o hotel mais sustentável que já vi. Sua Fundação Cristalino, além de gerenciar pesquisas em todo o mundo, dá educação ambiental às crianças de escolas municipais e estaduais de Alta Floresta. Dona Vitória disse em entrevista por Zoom (está reclusa em São Paulo por conta da pandemia): “Todos nós somos agentes de mudanças, podemos beneficiar uma transformação”. E completa: “Pesquisa gera conhecimento e conhecimento gera valor”.