“É necessário que o artista questione o mundo em que vivemos”, diz Thiago Nevs
O artista paulistano está com uma exposição individual, chamada Sobre-Carga, na Usina Luis Maluf
Thiago Nevs nasceu na periferia de São Paulo e foi criado no interior do estado. Hoje, vive na capital, e é de seu ateliê, no bairro do Limão, na Zona Norte, que telas e obras escultóricas ganham vida. “O processo de pintura tem suas etapas, desde a marcação, que passa por uma longa relação de organização, até a pintura, que costumo chamar de caos meditativo. Para que tudo isso aconteça, existe a concepção da obra de arte, esse sim já um processo mais orgânico, no qual me coloco como espectador, respeitando o seu tempo, e muitas vezes certos trabalhos demoram anos para se preparar para o mundo”, comenta Nevs sobre seu processo criativo.
Sua nova exposição individual, Sobre-Carga, na Usina Luis Maluf, da qual a obra da capa desta edição faz parte, “é uma reverência à cultura do caminhoneiro brasileiro, que, ao longo de anos, desenvolveu sua iconografia característica, uma espécie de manifesto estético-existencial”, conforme explica a curadora Cammila Ferreira.
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A arte passou a fazer parte da vida de Nevs em 1998, nas ruas, e foi através da pichação e do grafite que ele, autodidata, começou a se aprimorar e adentrar novos meios, até chegar a seu repertório atual. “Com uma prática virtuosa de técnicas de pintura e ampla pesquisa iconográfica, Thiago Nevs reinventa os elementos da pintura clássica de carroceria, como a reorganização de filetes, vinhetas e caligrafia, e vai além, criando obras escultóricas com buzinas, lanternas e apetrechos característicos”, diz Cammila.
Confira a entrevista de Thiago Nevs na íntegra.
Versatille: Como se descobriu artista?
Thiago Nevs: O mais curioso disso é que me notei em uma redescoberta, que me conectou com algo muito puro e inocente, propriamente com meu ser criança. Eu tive o privilégio de ser criado no interior de São Paulo, onde existia uma enorme conexão com a natureza, e basicamente fazia tudo o que uma criança fazia: brincava, cantava, dançava, desenhava, criava meus mundos lúdicos e vivia experiências únicas provocadas por essa expansão, mas tudo isso, ao longo de certos tempos, foi se escoando e se misturando com outras necessidades da vida prática moderna. Foi em 1998 que consegui acessar esse lado até então adormecido, e através da arte urbana foi possível notar em mim um ser curioso, o que permitiu investigar e experimentar novas linguagens e novas formas de me comunicar com o mundo.
V: Como é seu processo criativo? Qual é o ponto inicial de suas obras de arte?
TV: Particularmente, meu processo se desdobra em muitas formas, e cada obra se comunica em seu fazer de maneira bem individual. O processo de pintura tem suas etapas, desde a marcação, que passa por uma longa relação de organização, até a pintura, que costumo chamar de caos meditativo. Para que tudo isso aconteça, existe a concepção da obra de arte, esse sim já um processo mais orgânico, do qual me coloco como espectador, respeitando o seu tempo, e muitas vezes certos trabalhos demoram anos para se preparar para o mundo.
V: Quais são seus focos atuais?
TV: Hoje meu foco está diretamente ligado ao fazer artístico. Cada trabalho realizado é um ciclo que se fecha, abrindo possibilidade para novas relações. Ter uma via para canalizar minha compulsão me faz mais leve para enfrentar os problemas do mundo prático, e esse ritual me coloca cada vez mais em conexão com minha própria verdade.
V: Quais são os papéis da arte e do artista?
TV: Acho que, acima de tudo, o artista tem um grande papel “intelectual“ na sociedade, sobretudo político. É necessário que o artista questione o mundo em que vivemos e, a partir disso, aconteçam desdobramentos sociais que possibilitem às pessoas abrirem novas percepções sobre a vida.
V: Qual é o fio condutor de sua nova exposição?
TV: Nessa mostra, intitulada Sobre-Carga, trato de todo um conjunto estético que nos remete às nossas origens, à também relação humana e como ela se molda de tempos em tempos, e com isso me permito usar um pouco mais da atmosfera da minha pesquisa e criar relações a partir de novos materiais.
V: A arte para você é…?
TV: Para mim, a arte é uma possibilidade de resistência.
Por Giulianna Iodice | Matéria publicada na edição 128 da Versatille