Do mar ao céu da Noruega

Destino de múltiplos encantos, o país nórdico esconde, além do melhor bacalhau do planeta, cenários gelados de tirar o fôlego e tesouros como a dança de luzes da aurora boreal, parques, museus e esportes na

Destino de múltiplos encantos, o país nórdico esconde, além do melhor bacalhau do planeta, cenários gelados de tirar o fôlego e tesouros como a dança de luzes da aurora boreal, parques, museus e esportes na neve

 

É na “esquina” da Escandinávia, em um improvável território de pouco mais de 385 mil metros quadrados, recoberto 365 dias de neve, que se escondem, entre o céu e o mar congelante da Noruega, preciosos tesouros naturais. Ar, terra e mar, debaixo ou sobre o gelo onipresente ou sob ou sobre a superfície das águas tranquilas de seus fiordes, a surpreendente pátria do mais famoso bacalhau do universo seduz a cada nova descoberta. Em qualquer época do ano, mas, sobretudo, durante a primavera que impera no hemisfério norte, entre os meses de março e maio, quando as temperaturas giram em torno de aprazíveis 16ºC e os dias, mais longos e solares, são iluminados por uma luz esfuziante, é possível aproveitar ao máximo os múltiplos encantos que esse país ancorado nas franjas do círculo polar ártico oferece.

 

Platitudes e rotina, portanto, são coisas completamente fora de questão para quem planeja desfrutar um país moderno e cheio de charme, boa mesa, parques, museus e cenários gelados de tirar o fôlego — um menu completo, enfim, de atrações naturais e urbanas. A começar pelo surpreendente interior. Rumo ao litoral, partindo da bem estruturada Tromso, maior cidade norueguesa acima do Círculo Polar Ártico, com pouco mais de 70 mil habitantes, é possível conhecer sua verdadeira essência, visitando, sem pressa, lugares remotos e pitorescos ao longo da costa pontuada por cenários gelados de grande plasticidade.

 

Antes de pôr o pé na estrada, porém, destine ao menos duas noites a uma aventura noturna ímpar e arrebatadora: a caçada à aurora boreal ou ao “sáfari astronômico”, como se costuma denominar por lá esse programa imperdível. É no completo breu dessa parte do globo, situado a pouco mais de dois mil quilômetros do epicentro do Polo Norte, que se avista o espetacular bailado ziguezagueante da nordlys — fenômeno ótico e meteorológico em que o céu, tomado por feixes de luzes multicoloridos, que surgem e dançam no horizonte negro na mesma velocidade e na imprevisibilidade que desaparecem —, de longe, a mais incrível e fascinante atração da Terra do Sol da meia-noite.

 

Evento que só ocorre no Ártico e no lado diametralmente oposto do globo na calota Antártida com a irmã siamesa do sul — a aurora austral—, esse espetáculo único se explica: é o resultado de partículas do vento solar em contato com a alta atmosfera terrestre. Quando chegam à Terra, essas partículas subatômicas são puxadas pelo campo magnético do planeta e se concentram sobre os dois polos. Em geral, a atividade se concentra nas altas camadas, em que predomina o oxigênio, conferindo-lhe a cor esverdeada, visível ao olho humano. Quando a descarga de correntes elétricas polares é mais forte, atinge as camadas mais baixas da atmosfera, onde há presença maior de nitrogênio, resultando no vermelho escuro. Azul, violeta e laranja também são cores que podem surgir no horizonte negro por causa do fenômeno. Mas, detalhe: só podem ser captadas através de máquinas fotográficas dotadas de tripé para longa exposição.

 

Com boa dose de tempo, espírito de aventura e disposição para perder algumas horas de sono madrugada adentro, a dica é informar-se antes, consultando sites como Tromso Geophysical Observatory (flux.phys.uit.no), ou aplicativos de celular, caso do Norway Lights, que indicam o nível de atividade e o melhor horário para observar o fenômeno. A seguir, contrate guias locais tarimbados com vans próprias, que conhecem os lugares certos (em geral, os pontos mais escuros e distantes da luminosidade urbana), a melhor hora e todos os macetes em rastrear o espetáculo de luzes, profissionais que não desanimam mesmo diante do mais pessimista e incrédulo turista. Ou seja, a caçada à aurora boreal vale cada (longo) momento de espera.

 

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PASSEIO DE RENA E BACALHAU AO VENTO

Rumo ao interior, trilhando as seguras e bem sinalizadas rodovias árticas que contornam fiordes e montanhas negras cobertas de neve que emolduram essa parte da costa norueguesa, aponte seu GPS para Senja, destino de uma série de atrações geladas de tirar o fôlego. Segunda maior ilha do país, hoje a turística e pacata Senja, de enorme tradição e origem pesqueiras, convive e arrasta uma legião de praticantes de esportes ligados ao mar e à neve, além de turistas que vão em busca de belos cenários de gelo.

 

Caso, por exemplo, do vertiginoso mirante Bergsbotn e da península Tungeneset, que separa os fiordes de Steinjord e Ersfjord, no qual é possível vislumbrar a formação rochosa de Okshornan, conhecida como Djevelens Tanngard (“dentes do diabo”, em português), graças ao contorno de picos pontiagudos. E, ainda, deparar-se com o maior troll do mundo, de acordo com o Guinness Book — ser antropomórfico da mitologia nórdica (que originou, inclusive, o termo contemporâneo “trolagem”), de 18 metros de altura, que gostava de aprontar das suas, mas que de aterrador não tem absolutamente nada.

 

Ponto de parada obrigatório até lá, porém, é o Camp Tamok (www.lyngsfjord.com), acampamento do povo indígena Sami, em Oteren, a cerca de uma hora e meia de Tromso. O programa, pra lá de divertido, oferece uma oportunidade única de se estar em contato com membros daquela tribo nômade, que vive há milênios na região, e fazer uma preciosa imersão na cultura indígena, em costumes, hábitos e culinária locais. De quebra, pode-se aproveitar para esquiar ou caminhar na neve nas trilhas na montanha (o esporte predileto do norueguês) ou divertir-se a valer em trenós puxados por renas ou cachorros. Ou, ainda, caso queira adrenalina extra, dar um rolê a bordo de velozes snowmobiles.

 

Seja qual for o programa, Senja é o lugar perfeito para se desfrutar da hospitalidade e placidez bucólica do interior da Noruega. Os diferentes pescados capturados nas águas de seu litoral também são um capítulo à parte. Apesar de o salmão e outras espécies quererem roubar a cena, o bacalhau ainda é a grande estrela dentro e fora d’água. Nas dezenas de indústrias da região que processam o Gadus morhua, o turista pode acompanhar desde a sua chegada, recém-pescado nas águas turbulentas e ultrageladas, até a sua preparação final para comercialização, e descobrir que nada, absolutamente nada deste reverenciado pescado é desperdiçado.

 

As cabeças de bacalhau – sim, elas existem! -, avistadas logo na chegada do vilarejo de pescadores da ilha de Husoy secando ao vento em grandes armações de madeira, são, por exemplo, ingrediente essencial em países africanos para cometer caldos com sustância. O celebrado corpo alongado do peixe, destinado sobretudo à exportação (já que o norueguês goza do privilégio de saboreá-lo sempre fresco), segue para o tradicional método de salga. As ovas, por sua vez, são consumidas e bastante valorizadas pelos vizinhos escandinavos. A língua é uma iguaria ultravalorizada pelos gourmets locais. Extraída em um processo manual de corte que impressiona pela velocidade e precisão cirúrgica, ela é apreciada tanto na própria Noruega quanto no resto da Europa, sobretudo em Portugal, principal divulgador do peixe mundo afora através de sua rica culinária. Tal tarefa, muito bem remunerada, é reservada exclusivamente a menores adolescentes, filhos de pescadores locais. Uma tradição secular cultivada há séculos que até hoje é preservada, geração após geração.

 

Capítulo especialíssimo não só do ponto de vista sociocultural mas sobretudo para a base da economia norueguesa, o bacalhau é reverenciado por seus compatriotas não sem razão como “ouro branco”. Depois do petróleo, a indústria pesqueira local representa a segunda maior atividade econômica e fonte de receita do PIB do país. Em seu pescado mais cobiçado, o rigoroso Conselho Nacional da Pesca norueguês estampa o selo de qualidade Norge (Noruega, no idioma nativo) para certificar a origem, exclusividade e alta qualidade e assim diferenciá-lo da espécie Macrocephalus, pescados em outras latitudes das águas do Pacífico Norte e processados por países asiáticos como a China.

 

Grande parte dessa produção, afortunadamente, vai parar na mesa do brasileiro – ainda hoje o maior consumidor do Gadus Morhua, Stockfish ou Codfish (o mais nobre), além do Saithe, Ling, Zarbo. A “chegada oficial” dos primeiros lotes de bacalhau ocorreram em 1808, com a vinda da Família Real portuguesa para o Rio de Janeiro. Atualmente, das mais de 99 toneladas exportadas em 2015 para o mundo, quase 1/5 coube ao Brasil – o segundo maior mercado do bacalhau norueguês -, em uma parceria comercial iniciada nos longínquos anos de 1842, quando o primeiro veleiro nórdico chegou à Cidade Maravilhosa com uma carga do pescado, já apreciadíssimo por nossos colonizadores, e retornou com café brasileiro, troca comercial que se mantém até hoje

 

Diário de Bordo por Marco Merguizzo Especial da Noruega | Matéria publicada na edição 94 da Revista Versatille

 

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