Da espuma ao buzz digital: Amaury Jr. relembra sua trajetória
Em entrevista ao diretor de conteúdo da VERSATILLE, o grande cronista social de nossos tempos relembra sua história e mostra como é poderoso se reinventar.
Faz mais de quatro décadas que Amaury Jr. entra nos lares brasileiros rodeado de gente famosa ou rica ou poderosa — em muitos casos, tudo isso junto. Inspirou toda uma geração de jornalistas, inclusive nosso diretor de conteúdo, Alvaro Leme, que saiu dos bastidores para encarar a nobre missão de conversar com o grande cronista social de nossos tempos.
Ele se diz antigo, ao mesmo tempo em que fala com a desenvoltura de um millennial sobre seus seguidores no Instagram. Assim é Amaury Jr., o mais relevante expoente do colunismo social, ofício em extinção nestes dias de aconteceu-virou-post-nas-redes. Não que isso o incomode, como comprova seu histórico: dos impressos à televisão, onde se consagrou, passando pelo rádio, ele chegou também aos blogs e ao YouTube. Quer dizer, se há uma mídia dando sopa, ele se arremessa e se reinventa.
ALVARO LEME – A que pergunta você não aguenta mais responder?
AMAURY JR. – Qual foi a melhor entrevista que eu fiz.
AL – Eu sei qual foi. João Gilberto.
AJ – Ele não falava havia 20 anos. E não falou mais depois daquilo.
AL – Entrevistar gente que foge de jornalista exige agilidade. Ser rápido quando percebe a oportunidade, como você fez com a Gisele Bündchen.
AJ – Ah, sim. Eu estava gravando com a mãe dela, que disse ser minha telespectadora, e notei a Gisele, que é bem protetora com a família, rondando a gente. Ela chegou querendo saber o que eu estava perguntando. Aí já foi. Ligou a câmera e rolou aquilo que todo mundo viu.
AL – Pelo vídeo, ela parecia ter tomado uns drinques.
AJ – Ela não estava embriagada, e, sim, alegre. Lubrificada, que é minha expressão para quando a pessoa tomou uma dose moderada de álcool – nem demais, nem de menos.
AL – Mas hoje as pessoas são mais cuidadosas com a imagem, não? Todos com medo de virar meme ou trending topic.
AJ – Depende. Tem uma casta que não se importa com isso. É publicidade a qualquer custo. Você sabe disso.
AL – Sim.
AJ – Agora, existe outra casta que prefere nem aparecer. Aliás, cada vez mais. Muita gente importante, que quando me chama para festas pede para ir sem câmera. Tenho sentido uma retração como a que aconteceu na época dos grandes sequestros de 20, 30 anos atrás, como o do Abílio Diniz, em que ninguém queria se expor. Hoje as pessoas estão mais dispostas a se expor por motivos comerciais.
AL – Houve uma época em que as pessoas faziam evento apenas pela alegria de celebrar?
AJ – Era a festa pela festa, que acabou. Eu me lembro do Gallery [casa de espetáculos mais badalada de São Paulo nos anos 1980], que gerava tudo isso. Além dos estabelecimentos do Ricardo Amaral. Não era para fazer negócio, relacionamento.
AL – De onde você tira forças para ir a festas? Porque eu, que vou há bem menos tempo, dificilmente consigo sair de casa. Virei um ermitão!
AJ – Tenho gravado muito em estúdio. Até porque você não tem tantos eventos como antigamente. Então eu vou aos principais. Ou aos de grandes amigos. Mas, nesses casos, para me divertir.
AL – Aliás, você vai exibir seu lado anfitrião agora, não?
AJ – Sim, estamos reformando a empresa, que vai virar uma casa-estúdio. Quero receber pessoas queridas, marcas interessantes e parceiros de negócios. Tem até uma cozinha gourmet, e em todos os ambientes será possível gravar quadros para o programa. Ou mesmo para aproveitar nas minhas redes. Para quem passou muito tempo acreditando que a Internet era um pastel de vento, até que não estou mal. Tenho 200 mil seguidores no Instagram, outros 210 mil inscritos no YouTube, e mantenho um blog com atualizações diárias. Se você quer lançar um produto, fazemos uma prévia aqui, com possibilidade de impactar pessoas dos mais variados perfis.
[Nota da editora: a entrevista com Amaury Jr. foi feita e publicada antes da pandemia de Coronavírus]
AL – As redes sociais tiveram que impacto na cobertura jornalística?
AJ – As pessoas viraram colunistas de si próprias. Publicam elas mesmas as fotos e notícias mais importantes, o que restringiu nosso universo enquanto jornalistas.
AL – Há um tipo de colunista em extinção. Na área de entretenimento, o Leo Dias é o último que ainda apura, cultiva fontes e publica coisas capazes de deixar os artistas bravos.
AJ – Sou um admirador do Leo. Conheço, já entrevistei. Ele é corajoso, e está muito bem. Mas o foco dele é mais nas celebridades do que no social, o que significa que há um espaço para a gente também.
AL – Ainda sobre o controle da própria imagem, veja o exemplo da Marisa Monte, que nunca gostou de dar entrevista.
AJ – Nunca consegui! Eu peço faz dez anos.
AL – Quando saiu o trabalho mais recente dos Tribalistas, ela lançou diretamente no Instagram. Não teve imprensa. Mostrou na rede social e os veículos repercutiram a partir dali. É outra lógica de produção.
AJ – Nós estamos vivendo de sobras. Mas um bom jornalista, como você, sabe arquitetar a notícia onde ela está tão escondida que ninguém vê. No fim, sobram os melhores.
AL – Das celebridades que já se foram, de quem sente mais falta?
AJ – O ano que passou levou muita gente. Por exemplo, o [jornalista Ricardo] Boechat. Nós tínhamos longas conversas. Um cara inteligentíssimo, lúcido. Faz muita falta. Eu gostava muito do Paulo Henrique Amorim, que também se foi.
AL – Eu sinto falta da Hebe.
AJ – Eu também. Em todos os programas de televisão que fiz, todos os que lancei, a Hebe esteve no lançamento. Ela me deu grandes furos. Eu fui o cara que noticiou com quem ela fez amor pela primeira vez.
AL – Quem foi mesmo?
AJ – O Luís Ramos, que é de Rio Preto, minha terra.
AL – Ah, sim! Ela faltou na inauguração da televisão no Brasil porque estava namorando. Foi por causa dele?
AJ – Sim. Era para ela ir cantar o Hino da Televisão nesse dia, mas preferiu ficar com ele. Mandou a Lolita Rodrigues no lugar dela. Foi ela que me contou, e eu publiquei.
AL – Lembro que a primeira vez que vi você pessoalmente, eu era repórter da revista Contigo!, e estava de plantão na porta de um restaurante a que você foi com a Hebe e o empresário Ciro Batelli.
AJ – Eu que fiz esse contato entre os dois. O Ciro sempre me passava notícias de Las Vegas, onde vivia. Quando me contou que falava muito com a Hebe, fiz o cupido. Não deu certo o romance, mas valeu a festa. Valeu a espuma.
AL – Como se diz hoje, valeu o buzz.
AJ – Ah, eu falo espuma. Nada de buzz, porque sou antigo.
AL – Gostei. Vamos resgatar essa espuma.
AJ – E mulheres bonitas a gente fala: “Ela ainda é crocante”.
AL – Eu gostava que antigamente se usava “transar” como sinônimo de gostar, curtir.
AJ – Eu transo um bom uísque!
AL – Os bastidores da televisão são tão competitivos quanto parecem? É um tentando puxar o tapete do outro mesmo?
AJ – Claro que é! Como naquela série The Morning Show, que mostra a rotina de um programa diário. Um querendo ferrar o outro, a apresentadora que envelhece no ar… Mas, claro, nem todos são assim. Tem gente boa, honesta, ética. Claro que tem! Mas a maioria não é. O meu tapete tive de segurar com os dentes, porque todo mundo queria puxar.
AL – E olha que você está há quatro décadas no ar.
AJ – Tem de ficar em guarda, porque hoje, na televisão, se você não trouxer – nessa ordem – dinheiro, audiência e prestígio, não sobrevive.
AL – As pessoas são mais vaidosas hoje ou elas sempre foram e a gente não percebia por não existirem redes sociais?
AJ – Sempre foram, mas o Instagram ajuda a notar mais. Todo mundo quer se distinguir. As pessoas se levantam todo dia querendo melhorar a sua biografia.
AL – E a sua vaidade, qual é?
AJ – Não vou falar que estou vacinado, porque sou um cara vaidoso. Só que, com o tempo, as coisas que tocam vaidosamente mudam. Ainda mais depois de quatro netos. Sua cabeça vai reciclando os valores. Não me preocupo mais com coisas que antes tinham peso excessivo.
AL – O quê, por exemplo?
AJ – Sempre tive gana por carros legais. De repente, passou. Não quero mais saber. Eu tenho um carro de 2008, entendeu? E estou feliz. O maior patrimônio que a gente perde é o tempo.
AL – Você fuma há bastante tempo, e recentemente a [apresentadora] Ana Maria Braga, que é sua amiga de muitas décadas, revelou um câncer de pulmão. Isso acendeu algum alerta vermelho para você?
AJ – Eu tenho fé que a Ana vai sair dessa, e rezo por ela com frequência. Sempre tive esse alerta vermelho aceso. Não consigo largar o cigarro e, se você perguntar quem foi o cara que experimentou todos os métodos de parar de fumar, está aqui. Todos, e não consigo. Então, o que eu faço? Exame todo ano. Li num jornal uma entrevista com a mulher mais velha dos Estados Unidos, que estava completando 123 anos. Queriam saber o segredo da longevidade, e ela respondeu que sempre comeu e bebeu de tudo. E que deixou de fumar aos 115.
AL – Você quer ter tanta idade assim?
AJ – Aos 115 eu paro de fumar. Vamos ver no que vai dar.
Matéria publicada na edição 115 da Revista Versatille.