Com 150 de história, a calça jeans é sinônimo de atemporalidade

Responsável pela primeira calça jeans da história, a Levi’s completa 150 anos com uma trajetória que reflete as mudanças sociais ao longo das décadas

Chega a ser difícil imaginar um mundo em que as calças jeans não estejam presentes. Icônicas, versáteis e atemporais, elas vestem homens e mulheres de todas as idades em diversos cantos do globo. Não há dúvidas, a peça já é quase um patrimônio histórico da humanidade. Mesmo assim, houve um tempo – não tão distante – em que elas não ocupavam os cabides de nenhum guarda-roupa.  

 

Já o tecido utilizado para a confecção do jeans, conhecido como “denim”, é um pouco mais antigo. De acordo com historiadores, ele foi criado em 1792, na cidade de Nîmes, na França. Na época, já admirado pela sua resistência e durabilidade, era utilizado nos trajes de trabalhadores do campo e marinheiros que costumavam fazer longas viagens. Primeiro ficou conhecido como “tecido de Nîmes”, mas, com o tempo, o termo foi sendo abreviado até chegar à palavra que conhecemos atualmente: “denim” – uma bela prova de quanto a língua é viva e mutável.  

 

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O tecido utilizado para a confecção das calças jeans já existia, mas foi apenas em 1873 que o primeiro modelo da icônica peça surgiu. O nome por trás da criação é Levi Strauss, um bávaro que havia se mudado para São Francisco na época da Corrida do Ouro (período em que muitas pessoas foram do leste para o oeste em busca das minas do material precioso na Califórnia, nos EUA) com o intuito de montar uma mercearia onde vendia roupas, botas e outros produtos para as pequenas lojas locais de varejo.  

 

Registro de dois mineradores vestindo as primeiras peças da Levi’s em 1882 (cortesia Levi’s)

 

Tendo a veia de um bom comerciante e empresário, Strauss conheceu o alfaiate Jacob Davis e começou a desenvolver a ideia de um uniforme para os trabalhadores que estavam diariamente na mineração. A vestimenta precisava ser resistente e durável – e, como já aprendemos, nada melhor para isso do que um forte “denim”.  

 

Strauss e Davis também sabiam disso; então, em 1873, criaram uniformes feitos de denim true blue e reforçados com rebites. Assim nasceu o primeiro modelo de calça jeans do mundo, originalmente chamado de XX. Também foi o início da história da Levi’s, reconhecida e amada até hoje pelos seus jeans.  

 

Na época, para que a marca começasse a se popularizar, o marketing foi todo montado para reforçar o poder de resistência da peça lançada. Foi essa estratégia que deu vida ao logo que estampa os produtos da Levi’s há 150 anos: o Two Horses, que encena uma espécie de cabo de guerra com a primeira calça jeans da história. Mesmo com muita força, não é possível rasgar o tecido. Pelo menos é isso que a publicidade quer mostrar.  

 

De maneira poética, essa primeira campanha também representa a resistência que a peça teria ao longo de tantas décadas. Mais do que um uniforme para trabalhadores, a calça jeans foi se transformando e refletindo as mudanças sociais de seu tempo. Mesmo em momentos de crise e de repressão, ela se manteve firme e – arrisco dizer – não chegou nem perto de desfiar.  

 

“Two Horses”, a publicidade que deu origem ao logo que estampa os produtos da Levi’s (cortesia Levi’s)

 

UMA LINHA DO TEMPO PODEROSA  

 

Em 1890, a calça XX foi rebatizada com o número de lote 501, como é conhecida até hoje. Um pequeno passo para as grandes mudanças que viriam a seguir. Nos seus primeiros anos de criação, os avanços foram singelos, embora importantes para consagrar a marca no mercado. Mais modelos foram criados, e até mesmo uma coleção para ciclistas foi lançada.  

 

Levi Strauss teve a oportunidade de ver sua empresa se consolidando, mas faleceu em setembro de 1902, deixando os negócios para seus quatro sobrinhos. Mais do que honrar o legado familiar, eles ajudaram na expansão da Levi’s pelo mundo. Em 1908, a marca foi registrada no Japão, e o seu alcance global também chegou a mercados como Austrália e África do Sul.  

 

A partir desse ponto, os jeans vivenciaram diversas mudanças culturais e sociais, tendo recebido novas modelagens – como macacões e casacos finos – e sendo expandidos por diversos países. Nesse período, tratava-se de peças de roupas ofertada para homens, em sua maioria de trabalhadores braçais. Até então, a diversidade não era um dos pilares da marca.  

 

A primeira coleção focada no público feminino, chamada Freedom-Alls, foi lançada em 1918. Com uma estrutura que se afastava da calça jeans clássica e parecia mais uma túnica, seu objetivo era dar às mulheres liberdade de movimento e aliviá-las das roupas restritivas da época. Já em 1934, a Lady Levi’s, primeira calça jeans feminina, foi lançada.  

 

Feita de denim pré-encolhido, a peça foi produzida com muitas das características já presentes nos jeans masculinos, tornando tudo mais igualitário e diverso – embora houvesse um toque feminino na cintura elegantemente alta e ajustada. A aceitação não foi imediata, mas aos poucos a peça foi invadindo os guarda-roupas e conquistando pela sua praticidade e conforto. Um verdadeiro marco para a moda e para o empoderamento feminino.  

 

(cortesia Levi’s)

 

Ainda na década de 1930, mais uma vez o jeans Levi’s se tornou sinônimo de liberdade e independência. Para os caubóis, a peça ganhou um status quase mítico. Os habitantes do leste que queriam uma experiência autêntica como caubóis viajavam para ranchos no oeste só para comprar um autêntico jeans e impressionar amigos e familiares. Por mais que seja uma história curiosa, isso ajudou na popularização da peça no restante dos EUA.  

 

Ela se tornou tão popular que as primeiras polêmicas começaram a aparecer. Na década de 1950, foi proibida em algumas escolas por ser uma “má influência”. Além da vestimenta dos caubóis e dos trabalhadores, o jeans começou a fazer parte do retrato de jovens “delinquentes” que apareciam no cinema e na TV. Os famosos bad boys combinavam perfeitamente com uma calça jeans.  

 

Sendo assim, sob o título de um uniforme da rebeldia que incentivava os jovens a se rebelarem contra as autoridades, o jeans foi banido de algumas escolas. Há quem diga que o proibido é mais gostoso – não cabe a mim julgar, mas fato é que essa repressão só fez com que a Levi’s crescesse ainda mais no gosto popular.  

 

Foi usada por roqueiros, hippies, trabalhadores, jovens, velhos, homens e mulheres. Uma metamorfose ambulante que se tornou um traje casual e não se rendeu às mudanças do tempo. Em 1999, a revista Time elegeu o jeans 501 como o fashion item do século.  

 

Modelos do jeans 501 em 1980 e 1990, respectivamente (cortesia Levi’s)

 

Em 2023, a Levi’s completa 150 anos ao lado de uma das criações mais marcantes da moda. Vale dizer que o título da Time não está ultrapassado, embora abra espaço para uma ressalva: o jeans 501 parece ser um fashion item que ultrapassa as mudanças dos séculos. 

 

Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 133 da Versatille

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