Barolo: Devoção a um mito

Ícone da vinicultura italiana e mundial, o Barolo é produzido unicamente no Piemonte por um grupo ultra restrito de produtores. Caso da centenária Vietti que há quatro gerações molda este tinto soberbo nos crus de

Ícone da vinicultura italiana e mundial, o Barolo é produzido unicamente no Piemonte por um grupo ultra restrito de produtores. Caso da centenária Vietti que há quatro gerações molda este tinto soberbo nos crus de Castiglione Falletto

 

Produzido com a uva Nebbiolo em uma das principais e mais antigas denominações de origem (Denominazione di Origine Controllata e Garantita – DOCG) italianas, a do Piemonte, região espetada no extremo norte do país da Bota, o Barolo arrebata admiradores no mundo todo. E não é de hoje. Seja italianófilo ou não, qualquer apaixonado por vinhos sonha em degustar um Barolo.

 

Tamanha devoção a esse gigante piemontês chega ao ponto de alguns apreciadores mais fervorosos — ou seria melhor chamá-los de torcedores? — se autodenominarem de barolistas. Em contraponto, seus críticos mais ácidos costumam ressaltar que o mais célebre e mítico dos tintos peninsulares é duro e rústico demais quando novo, necessitando de tempo para amadurecer em garrafa e mostrar todas as suas virtudes.

 

Exageros subtraídos de parte a parte, o Barolo é comprovadamente um dos grandes vinhos da Itália e comparável aos melhores do mundo. O mais cobiçado dos rótulos italianos talvez só rivalize em fama, prestígio e qualidade com outro peso-pesado da vinicultura do país: o Brunello de Montalcino, elaborado na quase vizinha Toscana, a sudeste do território piemontês, região de tradição milenar e igualmente pródiga em elaborar tintos monumentais como os clássicos Brunellos e Rossos e os modernos supertoscanos.

 

Perpetrado por um grupo ultra restrito de produtores de uma pequena comuna da região do Piemonte, cujo nome batiza esse vinho icônico, o Barolo é moldado unicamente com a uva tinta Nebbiolo, conhecida pela delicadeza e finesse, mas de taninos extremamente marcantes, o que origina exemplares musculosos e corpulentos, com grande estrutura e personalidade. Ampelografistas acreditam que a cepa que molda o Barolo é originária tanto do Piemonte quanto da vizinha Lombardia.

 

Em território piemontês, a primeira citação a essa casta peninsular data de 1268. E, mais especificamente, na DOCG de Ghemme, é chamada de Spanna. Entre os lombardos, em especial nas DOC Valtelina e DOCG Valtelina Superiore, a mesma casta é denominada de Chiavennasca. De enorme tradição e prestígio, não é de hoje que a Nebbiolo e o próprio Barolo são reverenciados por apreciadores ilustres de grandes vinhos do mundo todo.

 

Chamado, no passado, de ” vinho dos reis ou rei dos vinhos”, o Barolo era o rótulo preferido, por exemplo, do rei Vittorio Emanuele II, primeiro monarca italiano após a unificação do país na segunda metade do século 19, mais precisamente em 1861. A tradição dessa casta italiana sugere séculos e séculos de labor e respeito às práticas ancestrais dos viticultores da região noroeste italiana.

 

No entanto, a história de Barolo é marcada pela inovação. Mesmo seu vinho considerado um monumento, tamanha força e estrutura, sempre foi e continua sendo lapidado, pouco a pouco, por produtores visionários. Acredita-se que a primeira a perceber que os vinhos locais precisavam mudar foi a última marquesa de Barolo, Juliette Colbert di Maulévrier, ou Giulia Falletti di Barolo. Filha de aristocratas franceses da época da Revolução, se casou com o marquês Carlo Tancredi Falletti di Barolo no início do século 19.

 

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Ela desenvolveu grande interesse pela filantropia, mas, também, por agricultura, e contratou um enólogo francês, Louis Oudart, para ajudar os viticultores locais a melhorarem suas técnicas. Antes, Barolo era doce — como boa parte dos vinhos célebres da época —, então ele transformou-o em uma bebida seca, no estilo de Bordeaux. E foi esse novo vinho que passou a ser servido nas mesas dos nobres e ganhou a reputação de “rei dos vinhos”.

 

Nas últimas décadas, porém, com as transformações do cenário internacional, sobretudo com a enorme influência econômica dos mercados americano e chinês sobre a produção vinícola, e do próprio gosto do consumidor no mundo todo estabelecendo novos padrões, ocorreram várias mudanças não só na DOCG do Piemonte mas em outras regiões, tanto dentro quanto fora da Itália. Com isso, há, hoje, três “estilos” distintos, digamos, de Barolo.

 

O primeiro é o tradicional, com taninos duros e potentes, profundo e longevo, e que precisa de alguns bons anos de guarda para alcançar o seu melhor momento para desfrutá-lo. O segundo, de concepção mais moderna, é um vinho também marcado pela elegância, mas com taninos mais macios e “doces”, e que pode ser bebido mais rapidamente, sem necessidade de muitos anos de garrafa. E há ainda um terceiro estilo que congrega essas duas correntes de produção, tornando o vinho mais amigável ao paladar ou com maior drinkability, para usar o termo corrente do mundo das bebidas. De fato, o Barolo gera altas expectativas. Quando alguém não iniciado o prova, por vezes não o entende, pois não é um vinho fácil. Tem muitas nuances e pode parecer desinteressante e duro para quem não tem muita experiência em degustações.

 

VIETTI: DINASTIA BAROLISTA

Dividida em cinco áreas tradicionais e ultra valorizadas — Barolo, Monforte d’Alba, La Morra, Serralunga d’Alba and Castiglione Falleto — o microterroir dessas zonas vinícolas piemontesas é fator decisivo para o espetacular desenvolvimento da Nebbiolo. Desta última DOCG, em especial, é que provêm os excepcionais rótulos da Vietti (www.vietti.com), famosa por seus Barolos.

 

De tradição secular essa vinícola familiar foi fundada em 1870 pelo patriarca Mario Vietti. Atualmente, está no comando a quarta geração dessa dinastia barolista. Proprietária de excelentes vinhedos nas melhores denominações do Piemonte, a Vietti é reconhecida por possuir fantásticos “crus” (termo, em francês, que indica um vinhedo específico, de reconhecida reputação e situado em um terroir de renome) de Barolo e Barbaresco.

 

Recentemente um de seus Barolos — o Riserva Villero 2007— conquistou os cobiçados 100 pontos da revista Wine Advocate, do crítico americano Robert Parker. Em toda a história da exigente publicação, apenas dez vinícolas italianas amealharam os 100 pontos. E, considerando só o Piemonte, três somente obtiveram a pontuação máxima. Na década de 1950, Vietti foi uma das primeiras vinícolas locais a selecionar e a vinificar castas de vinhedos únicos, os “crus” piemonteses, como Brunate, Rocche e Villero. Também foi a responsável por resgatar a quase extinta cepa autóctone branca Arneis. Atualmente, os rótulos feitos a partir dessa casta, provenientes de Roero, ao norte de Barolo, são mais elogiados pelos críticos internacionais.

 

No Brasil, o rótulo de maior sucesso da italiana Vietti é um tinto feito com a cepa Nebbiolo, o Perbacco, também chamado de “minibarolo”. Custa R$ 163,90, enquanto o Barolo Castiglione, o de “entrada”, feito em grande volume (50 mil garrafas por ano), tem preço sugerido de R$ 436,70. O ultra premium Barolo Rocche (produção limitada a quatro mil garrafas) chega a R$ 1.478,40. Todos esses são importados pela Inovini (inovivni.com.br).

 

Neste ano, quando completou 143 anos, a vinícola foi adquirida pelo investidor americano Kyle Krause, apaixonado barolista. Mas, felizmente, os Vietti continuarão dando as cartas na direção enológica da azienda. Krause, por sua vez, já arrematou novas áreas de vinhedos de enorme potencial com cerca de 12 hectares (algo que vale ouro numa terra já supervalorizada pela fama dos Barolos), que passarão a ser cultivados pela Vietti. Garantia de que a mística de seus Barolos soberbos irá continuar ainda por muito tempo.

 

Adega / Cellar por Marco Merguizzo | Matéria publicada na edição 94 da Revista Versatille

 

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