3 viajantes dão dicas para mulheres que querem viajar sozinhas
Mulheres viajantes contam suas experiências e dão dicas para quem almeja desbravar o mundo sem depender de ninguém
Foi em uma viagem de seis meses pelo sudeste asiático, em meio a vivências com comunidades locais isoladas, que Tina Lyra teve sua primeira experiência viajando sozinha. “Fui com a minha melhor amiga, mas, quando estávamos havia quatro meses longe de casa, ela disse que estava cansada e queria ir embora. Eu ainda desejava visitar muitas comunidades, então senti medo. Foi um baque, mas decidi continuar sozinha”, recorda ela, que percebeu uma mudança instantânea no estilo do passeio.
“Quando estamos sozinhas, adotamos um comportamento diferente. Algumas se fecham em um livro ou em seus pensamentos e aproveitam a própria companhia, enquanto outras se abrem para ter relacionamentos com pessoas muito diferentes”, destaca. Para ela, a experiência uniu o melhor dos dois mundos: teve mais momentos de reconexão consigo mesma e com tudo o que estava a sua volta.
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“Foi uma viagem que fugiu do comum. Era sem roteiro − afinal, como o foco eram as comunidades que tinham pouco contato com a sociedade moderna, não era possível agendar uma visita com antecedência. Íamos descobrindo o itinerário ao longo da viagem, a partir das pessoas que conhecíamos no dia a dia.” Durante os dois meses em que seguiu sozinha, Tina morou com diversas famílias das comunidades que visitou e chegou até a aprender um pouco de bahasa indonesia, o idioma oficial da Indonésia.
Até então, ela achava loucura ir a um restaurante sozinha ou curtir um filme no cinema sem ninguém ao lado. “Foi uma vivência que abriu os meus olhos. É gostoso fazer exatamente o que você quer, sem ter que negociar com ninguém”, ressalta. Hoje, mergulhada no universo do turismo por conta de seu trabalho – ela é fundadora da TL Portfolio, uma empresa de consultoria de vendas, marketing, relações públicas e branding que representa destinos exclusivos nas Américas –, Tina já coleciona diversos passeios em modo-solo − um deles, inclusive, representou o ápice de sua solitude: um retiro de silêncio.
O silêncio é uma raridade
Por mais que sejam parecidas na semântica, solitude e solidão não têm o mesmo significado. Diferente de sua colega mais disseminada pelo português, a solitude está associada a sentimentos positivos e à alegria de estar só, representando um estado de isolamento e reclusão decorrente de uma escolha pessoal. Originária do latim, ela pode ser descrita como “a glória de estar sozinho”. E era exatamente em busca desse estado de espírito que Tina estava quando decidiu se inscrever em um retiro de silêncio.
Localizada a apenas quatro horas de sua casa, em solo brasileiro, essa foi a jornada mais distante já vivida pela viajante − e que o sudeste asiático a perdoe pela perda de posto. “Essa foi a viagem mais impactante dos últimos tempos. Eu sou superagitada e estou sempre fazendo mil coisas ao mesmo tempo. Ninguém acreditou que eu conseguiria ficar em um retiro de silêncio, mas eu precisava”, revela. “Nossa vida é levada por circunstâncias exteriores a todo momento, mas a nossa casa interna fica bagunçada com isso também. É muita coisa para pensar, e nós não nos preocupamos em limpar esse espaço.”
Ao longo de sete dias em completo silêncio e reclusão da vida em sociedade, nos quais era recomendado que se evitasse até as saudações clássicas do dia a dia, como “boa-tarde” e “obrigada”, Tina conviveu, pela primeira vez, apenas consigo mesma. Sem celular, mensagens nem redes sociais, ela viu algumas pessoas desistirem ao longo do processo, mas decidiu continuar até o fim. “No primeiro dia, eu achei superfácil. No segundo, comecei a ter novas percepções e achei que no dia seguinte já teria resolvido a minha vida toda. No terceiro, pensei que não sairia de lá nunca, porque era muita ideia para arrumar”, brinca.
“Já no fim da semana, comecei a ter um diálogo mais organizado comigo mesma. Escrevi páginas e mais páginas de um diário e cheguei a sentir falta dessa solitude quando entrei no carro e voltei para a vida real. O silêncio é uma raridade.” Por mais que essa seja uma vivência extraordinária e incomum, Tina acredita que viajar sozinha oferece um pouco dessa conversa interna. “Dá medo e requer coragem, mas também faz com que a gente se reconheça melhor. É um exercício de autoconhecimento e autocompaixão.”
Gabrielly Sadovski, de 23 anos, concorda com Tina quando o assunto é valorizar a própria companhia. A primeira viagem que a jovem fez sozinha foi para Mykonos, na Grécia, enquanto fazia intercâmbio em Budapeste, na Hungria. “A passagem aérea estava superbarata, mas não tinha ninguém interessado em viajar comigo, então decidi ir sozinha. Fui disposta a fazer amigos por lá, e deu tudo certo. Mais do que isso, foi incrível viver esse momento sozinha”, conta.
Conhecida por compartilhar suas viagens no TikTok e inspirar outros jovens a fazerem o mesmo, Gabrielly ressalta que inicialmente sentia medo de ficar sozinha demais ou se sentir deslocada. “Fui com receio e acabei descobrindo um hobby. Hoje, até prefiro viajar sozinha para alguns destinos. Eu faço a minha programação e decido a hora que quero acordar ou dormir. É uma sensação máxima de liberdade. Eu escolho onde gastar o meu dinheiro.”
Em um compromisso com a sinceridade, ela chega a revelar duas dificuldades desse estilo de viagem: conseguir tirar fotos boas sozinha e o receio de viver a vida noturna sem companhia. Ainda assim, são perrengues que não fazem com que desista da experiência. “Na hora de conhecer um destino, eu ponho uma música no fone de ouvido e me sinto a protagonista da minha vida. Esse sentimento impacta até a minha rotina quando volto para casa. Desenvolvi mais autonomia, confiança e até facilidade para me expressar. Se me comunico sozinha em outro país, imagine em casa?”, conclui.
Mesa para um, por favor
Mais do que viajar sozinha, por que parece tão estranho sentar para almoçar ou jantar na própria companhia? A sensação é de que todos ao redor olham e cogitam situações, como um possível “bolo” em um encontro ou uma solidão exacerbada de quem não tem muitos amigos. A primeira vez que Rosa Moraes precisou almoçar sozinha em um restaurante, esses pensamentos chegaram a passar por sua cabeça.
Criadora do primeiro curso de gastronomia do país e representante brasileira da lista The World’s 50 Best Restaurants, ela começou a viajar sozinha com cerca de 40 anos, quando seu interesse pelo universo gastronômico se intensificou e a guiou para uma carreira na área. “A primeira viagem que eu fiz efetivamente sozinha foi para conhecer uma escola de gastronomia na Califórnia, em 1998. Eu morava nos Estados Unidos, em Connecticut, que fica na costa leste, e decidi ir sozinha de carro. Aluguei um conversível e fui. O desafio foi me localizar, já que na época não existia aplicativo de navegação por GPS e eu sou muito desnorteada”, conta.
“Conheci a escola e fui almoçar no restaurante do chef americano Thomas Keller. Foi a primeira vez que eu almocei sozinha em um longo menu. Desde então, fiz isso muitas vezes.” Para ela, que escreve sobre gastronomia, é interessante viver um momento de intimidade com a comida que é servida. “Sem distrações, conseguimos observar melhor os pratos, as bebidas, o ambiente e até as pessoas nas mesas à nossa volta.”
“Às vezes, realmente me olham como se eu fosse uma coitadinha, mas já me acostumei. Uma vez, fui ao Rio de Janeiro sozinha e levei um livro na hora de almoçar no restaurante. Eu nem li, mas fiquei com ele em cima da mesa para me dar segurança. Era uma saída caso eu ficasse desconfortável. Essa é uma dica para quem se sente inseguro”, completa Rosa. Mesmo com os possíveis inconvenientes, estar sozinha nesses momentos sempre vale a pena. De certa forma, é como se estreitasse uma relação direta com a comida, sem intrusos nem convidados.
VAI SOZINHA? QUAIS SÃO AS DICAS?
Para quem almeja começar a sair sozinha, há algumas dicas que podem ajudar no processo. A segurança é uma das grandes preocupações femininas ao redor do mundo, e, por isso, solicitamos algumas dicas
às entrevistadas:
Sempre pesquise o destino e programe o roteiro antes. É importante conhecer o local de hospedagem e quais são os transportes mais recomendados;
Não esqueça de estudar a cultura do país que está visitando e quais são as vestimentas e condutas esperadas;
Comece com passeios curtos ou até com cursos sobre algum assunto que gere interesse, como aulas de mergulho, produção de velas ou gastronomia;
Saiba que mesmo passeios pelos museus de sua cidade continuam sendo experiências válidas. Não é preciso ir ao outro lado do mundo para aprender a curtir a própria companhia;
Em restaurantes, caso o desconforto seja grande, leve um livro. Ele pode ajudar a tirar o foco das pessoas e pensar em outros assuntos.
Por Beatriz Calais | Matéria publicada na edição 130 da Versatille