De dentro para fora: entenda a estética dopamine dressing

No novo movimento dominante da moda, a compreensão das emoções é o segredo para alcançar a felicidade por meio das roupas

Peças exibidas no desfile da Sunnei
Peças exibidas no desfile da Sunnei (Getty Images)

A dopamina é um neurotransmissor que atua no sistema nervoso em diferentes funções, como aquelas relacionadas ao humor e prazer, elementos-chave quando se trata de felicidade. O mais curioso é que sua conexão com a moda é mais intrínseca do que parece. A tendência dopamine dressing, vista na última temporada das fashion weeks das cidades de Nova York, Londres, Milão e Paris, apresentadas em setembro, anuncia essa relação de interdependência. A ideia é simples: usar roupas que tragam uma sensação de bem-estar e, consequentemente, tornem quem as veste feliz. 

 

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Apesar de ser um termo novo, a premissa já é pesquisada há bastante tempo. “Isso existe desde os primeiros estudos sobre a psicologia das cores, por volta do fim do século 19, início do século 20”, diz a psicóloga Lara Almeida, autora do livro Psicologia Fashion. Em 2012, uma pesquisa realizada pela professora Karen Pine, da Universidade de Hertfordshire, na Inglaterra, mostrou que a confiança dos participantes crescia quando vestiam roupas de valor simbólico para eles. Já outra mais recente, de 2017, publicada no European Journal of Social Psychology, também constatou que a vestimenta pode ter uma ação direta na autoconfiança.

 

Peças da Des Phemmes apresentadas na semana de moda de Milão, na temporada de Primavera/Verão 2022

Peças da Des Phemmes apresentadas na semana de moda
de Milão, na temporada de Primavera/Verão 2022 (Reprodução)

 

Segundo Lara, antes mesmo de causar um impacto positivo no estado emocional dos seres humanos, as roupas são utilizadas por cinco motivos primordiais, que são: proteção; modéstia, pela função social de cobrir o corpo, imposta pelo homem; diferenciação sexual, que recentemente tem sido desconstruída com o estilo genderless; diferenciação individual, referente à personalização e identificação de estilo; e adorno.

 

Modelo veste peças da coleção da grife italiana MSGM

A coleção da grife italiana MSGM destaca nas cores o clima otimista de retorno à normalidade (Reprodução)

 

Peças da grife italiana MSGM

Peças da grife italiana MSGM (Reprodução)

 

“A gente já não separa mais a mente e o corpo. Hoje temos essa visão mais sistêmica. As roupas fazem parte do ser e são capazes de mudar instantaneamente a nossa postura, nos deixar felizes ou infelizes, nos dar uma boa autoestima ou insegurança. É tão forte essa interação entre roupas e emoções que ela pode desenvolver até um quadro depressivo”, diz Lara. Segundo a especialista, quando alguém se sente bem com o que veste, o sistema nervoso tende a produzir mais dopamina, e, assim, gera mais prazer e uma melhora do estado de humor.

 

A coleção da Coperino, na qual se evidenciam cores, texturas e estampas que remetem à alegria

A coleção da Coperni, na qual se evidenciam cores, texturas e estampas que remetem à alegria (Getty Images)

 

Vestido da coleção da Coperino

(Getty Images)

 

O avanço da vacinação e o clima de otimismo são os principais responsáveis pela ascensão desse conceito na moda contemporânea. À medida que os encontros presenciais voltam a fazer parte da rotina, surge aquela inquietação prazerosa de se perguntar: “O que eu vou vestir?”. “Quando falamos em dopamine dressing, existe a ideia de celebração, de vida e tudo o que nos foi roubado nesses últimos 18 meses. É um processo físico, mas que tem respaldo no psicológico”, explica Lara.

 

Em meio ao clima festivo, é inevitável que as cores se destaquem, bem como tecidos, materiais e texturas, os quais despertam sensações prazerosas. O conforto, no entanto, começa a se distanciar do look simples e informal adotado durante a quarentena. “O pijama passou a ser um símbolo de prisão, e esse vestuário casual adquiriu uma conotação negativa. A moda está voltando a ser ousada”, diz Lara. A psicóloga compara o momento atual com os períodos de pós-guerra, nos quais é comum essa transição da repressão para a expressão, criatividade e celebração.

 

As peças exibidas no desfile da Sunnei

As peças exibidas no desfile da Sunnei (Getty Images)

 

Apesar de agrupar tais elementos do inconsciente coletivo que formam uma espécie de “estética positiva”, o estilo dopamine dressing é totalmente livre de padrões, já que a felicidade é uma experiência subjetiva. Lara explica, por exemplo, que, embora exista uma convenção em relação ao significado simbólico das cores, o que elas remetem para cada indivíduo depende de suas crenças, bem como dos momentos prazerosos e até mesmo de traumas vividos. Ao contrário de outras estéticas, essa celebra a individualidade e dificilmente gera a impressão de que todos estão iguais.

 

Para o stylist Rodrigo Polack, o conceito de dopamine dressing também está muito ligado a memórias afetivas. “Quantas vezes a gente olha para o armário e se depara com um moletom que tem há anos, e sabe que, se colocá-lo, ele vai trazer certo conforto. Às vezes, está até com bolinha, carinha de velho, mas, quando você o veste, parece um abraço”, compara. Roupas usadas em ocasiões especiais ou que passam por diferentes gerações de uma família também podem causar o mesmo impacto, gerando a produção de dopamina.

 

Vestido de Emilio Pucci apresentado na última semana de moda de Milão

Vestido de Emilio Pucci apresentado na última semana de moda de Milão (Reprodução)

 

O prazer, no entanto, nem sempre é suscitado por vestimentas repletas de história. Uma roupa nova também pode exercer o mesmo papel. Até mesmo sem comprar uma peça, é possível alcançar o bem-estar proporcionado pelo neurotransmissor, ou então o sentimento inverso. “Ao se vestir no provador de uma loja, dá para ter aquela sensação gostosa ou colocar, por exemplo, uma peça sintética com um efeito lindo e sentir certo desconforto, por mais bonita que ela seja”, diz Polack.

 

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Finalmente surge uma tendência de moda que depende muito mais do interior do que do exterior, e sua grande potência está na capacidade de tornar os dias melhores, se adotada com sabedoria. “As roupas, as cores e os acessórios são instrumentos de comunicação não verbal e estão aqui para nos auxiliar. Como seres humanos, temos gatilhos que nos prendem, atrasam e nos impedem de conseguir o que queremos. É preciso entender nossa autoestima para compreender como usar esses elementos a nosso favor”, diz Lara. De fato, o autoconhecimento nunca foi tão essencial em um momento da moda. 

 

Por Laís Campos | Matéria publicada na edição 123 da Versatille

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