Conheça a maior biblioteca vinária da América Latina
O acervo do argentino Juan Carlos Reppucci, localizado no Itaim Bibi, apresenta obras que datam do século 15
Beber vinho é um estilo de vida. Não basta apreciá-lo em seu estado líquido, é preciso consumi-lo nas mais diversas possibilidades. A forma encontrada pelo argentino Juan Carlos Reppucci (79 anos) para canalizar essa paixão foi por meio da literatura. Seu apartamento, na região do Itaim Bibi, Zona Sul de São Paulo, transformou-se na biblioteca vinária mais importante da América Latina e uma das mais conhecidas do mundo.
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Como o nome sugere, trata-se de uma coleção de obras sobre a bebida alcoólica produzida pela fermentação do sumo de uva. Uma única citação ao produto e a seu processo de fabricação é suficiente para integrar a biblioteca vinária com livros, revistas, documentos e manuscritos nos mais variados idiomas (português, francês, inglês, espanhol, italiano, latim, grego e alemão). Como um bom vinho, o acervo encorpou ao longo dos anos e tem hoje aproximadamente 7.200 títulos, que somam mais de 100 mil volumes.
Tudo começou como um simples hobby entre amigos. Nascido em Bahía Blanca, uma cidade no interior de Buenos Aires, Reppucci formou-se em engenharia civil e, nos anos 1970, atuou como diretor de obras na Argentina. Ele fazia parte de um grupo de casais que se reuniam para churrascos regados a vinho. Foi assim que sua vida mudou e ele se apaixonou pela bebida.
O destino calhou de resolver o resto. O proprietário da empresa para a qual trabalhava decidiu se mudar para o Brasil, e Reppucci pegou o “mesmo barco”. Após começar a morar em São Paulo, veio a transformação. “Em uma viagem à Bahia, vi um livro sobre vinho e resolvi explorar mais esse assunto”, conta. “Percebi que o tema não é só do século 20, existe muito material mais para trás. Comecei a investigar e foi o nascimento da biblioteca.”
Os primeiros exemplares adquiridos foram livros lançados na época, em 1980. Com o tempo, ele mergulhou mais e mais no passado, viajando no tempo até chegar às preciosidades mais antigas do arquivo: os incunábulos (livros impressos entre 1450, data aproximada da publicação da Bíblia de Gutenberg, até 1500). “Todos esses livros são de antes do descobrimento do Brasil. Eles têm uma grande importância histórica”, afirma. Sua coleção conta com 80 incunábulos – mais do que a Biblioteca Nacional da Argentina.
Atualmente morando em Monte Verde, Minas Gerais, o bibliófilo trabalha em uma dinâmica mais “moderada” de aquisição, com a pandemia. “O Brasil não é um país com muitas livrarias antiquárias. Tenho bastante relação com livreiros da Itália, Espanha, França e Suíça”, conta. O único critério continua sendo fazer referência ao vinho de alguma forma, seja na fabricação, na agricultura, na arte ou na religião – como a própria Bíblia. “Se tem cinco ou 200 páginas sobre vinho, me interessa.”
Entre as raridades da biblioteca vinária estão De Honesta Voluptate e Valetudine (1475), do escritor Bartholomaeus Platina, primeiro livro impresso de gastronomia, com um capítulo sobre a bebida vinda da uva, e De Naturali Vinorum Historia, de Vinis Italiae (1596), do médico e filósofo Andrea Bacci, primeira edição do tratado mais importante do século 16 sobre vinhos italianos, franceses e espanhóis. Seu sonho de aquisição é a primeira edição de Libro de Agricultura, do espanhol Gabriel Alonso de Herrera.
De todo a biblioteca vinária, sua obra favorita é o manuscrito História Natural de Plínio, o Velho. A enciclopédia, publicada entre os anos 77 d.C. e 79 d.C., tem dois capítulos sobre como fazer vinho e tratar a uva. “Plínio escreveu sobre muitos aspectos da vida, principalmente sobre anatomia, e hoje temos um mundo de especialistas para falar sobre cada um deles”, comenta. “Tenho a primeira edição em língua volgare (idioma falado por mercadores e colonos de terra, que sucedeu o latim, usado pela classe culta), de 1476. Comprei em 1994 e tenho um carinho todo especial. Um livro de 500 anos na mão é uma emoção total.”
Ninguém melhor para julgar um vinho do que uma pessoa que tanto sabe sobre a história da bebida na literatura. “Gosto muito de vinhos italianos e franceses”, diz. Um de seus favoritos é o La Mission Haut Brion, de Bordeaux. “Pode ser até que tenham vinhos melhores, mas gosto muito desse.” Ele ainda aprecia vinhos de Rioja (Espanha) e os clássicos do Porto (Portugal).
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A bebida, que já era uma grande amiga, tornou-se essencial após tantos anos dedicados a ela. Não apenas em sua vida profissional, mas também em seu ritual diário: seu hábito é beber uma taça ao meio-dia e “mais outras” para dormir. “Não passo um dia sem tomar.”
Por Mattheus Goto