Cottagecore: entenda como a estética se destaca na série Bridgerton
O estilo visual panêmico atrai pelo escapismo e encantamento na série mais vista da Netflix
Sucesso no feed do Instagram e principalmente no TikTok em 2020, onde gerou mais de 4,6 bilhões de visualizações, a estética cottagecore promete permanecer enquanto houver um cenário de incerteza e insegurança. Apesar de ser sustentado principalmente por sua influência direta na moda, o conceito pode ser definido como um estilo de vida e identificado em elementos diversos. Além da idealização do retorno à vida campestre, o gênero também prega o resgate de técnicas de artesanato tradicionais, como a panificação e a cerâmica, e se consolida pela nostalgia.
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A estética batizada de “cottagecore” despontou em 2018, mas ideais semelhantes já apareceram outras vezes em diferentes contextos históricos. No século 18, por exemplo, eclodiu o arcadismo, movimento literário influenciado pelo pensamento do filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau, o qual preza pelo retorno à natureza em busca da harmonia e da pureza. Os princípios carpe diem, expressão latina que significa “aproveitar o momento”, e fugere urbem, o qual remete a uma fuga da cidade, nítidos na estética recente, são explorados desde 1765. Já no fim do século 19, o movimento refletido na arte, na arquitetura e no design batizado de “arts and crafts” surgiu com o intuito de criticar a produção industrial e valorizar as práticas manuais, bem como uma forma mais simples de viver.
Para Mário Saladini, professor de direção de arte na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), o cottagecore, embora não seja um conceito novo, se enquadrou tão bem nos desdobramentos da crise de saúde causada pelo coronavírus que pode até mesmo ser chamado de uma “estética pandêmica”. Além de impulsionar um desejo por fuga da realidade em meio à incerteza e ao medo, o cenário atual fomentou ainda mais a migração de moradores urbanos para o campo na busca por qualidade de vida, permitida pela implementação do home office.
Na moda, a adoção da estética visa a transmitir harmonia por meio de roupas delicadas, estampas florais, silhuetas bem marcadas, babados e tecidos leves estruturados em camadas que se assemelham ao estilo romântico. Uma referência de destaque são os videoclipes do álbum Folklore – lançado em julho de 2020 por Taylor Swift e elegido como melhor álbum do ano no Grammy de 2021 – nos quais foram exibidos figurinos compostos de camisas com bordas recortadas, saias xadrez e vestidos de renda, bem como uma cenografia campestre.
O sucesso dessa estética, potencializado pelo contexto pandêmico e pelas redes sociais, tornou-se inspiração para produtos musicais, de beleza, design e até mesmo entretenimento, como a série Bridgerton. Com apenas 28 dias de estreia, a produção se tornou a mais assistida da Netflix, vista em 82 milhões de casas, segundo Jinny Howe, vice-presidente de séries originais do streaming.
A produção da americana Shonda Rhimes, baseada na coleção de livros da autora Julia Quinn, é ambientada no período regencial britânico e narra um romântico e escandaloso drama familiar da aristocracia inglesa. Apesar da mistura de estilos visuais, o cottagecore pode ser percebido em muitos elementos da cenografia, do figurino e até mesmo no gênero de época e ficção. Por se passar no século 19, a trama remete à idealização e ao escapismo característicos do romantismo abordado na literatura desse período e também observados na estética recente.
Segundo Fausto Roberto Poço Viana, professor de cenografia, indumentária e conservação de têxteis na Universidade de São Paulo (USP), a nostalgia provocada pelo seriado já foi incitada ao estrear, uma vez que teve lançamento no Natal. “Essa é uma época bucólica. Bridgerton estreou em um contexto emocionalmente perturbado e muitos encontram no passado certo conforto emocional devido à tendência de achar que é mais seguro.”
Os figurinos, por sua vez, são essenciais para fomentar o encantamento da realidade ficcional. Os mais de 7 mil trajes produzidos com a coordenação da figurinista Ellen Mirojnick exploram ao máximo a idealização do período histórico. “Ao falar do século 19, já vem à cabeça a crinolina, vestidos grandes e armados. A gente romantiza o passado, achando inclusive que todas as mulheres usavam corsets incríveis e vestidos chemise de linho com estampas maravilhosas”, comenta Viana.
Já os cenários deslumbrantes, como as mansões Wilton House, Syon House e Badminton House, construídas há mais de 400 anos, bem como o Painshill Park, onde os personagens tomam o chá da tarde ao ar livre ou se encontram para conversar à beira de um lago, têm papel fundamental para envolver o espectador na atmosfera cottagecore. “A própria estética celebra esse escapismo porque ela seduz com o ornamento, as locações maravilhosas e os figurinos impecáveis. É tão lindo que você não pensa muito, só quer ver aquilo”, diz Saladini.
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É inegável o sucesso da série em encantar pela estética, uma vez que, apesar de se tratar de um gênero de época, os elementos visuais não se limitam a apenas um estilo ou movimento artístico, mas são trabalhados com a intenção de impactar por meio da narrativa. “Figurino e cenografia não devem ter a obrigação de promover uma reconstrução histórica e sim cumprir uma função dramatúrgica, ajudar a contar uma história e transmitir a emoção, que é o mais importante”, conclui Viana.