O valor afetivo e histórico de um relógio Patek Philippe Calatrava
Criado em 1932, o Calatrava foi fundamental para tornar a Patek Philippe a grande referência mundial em relógios sofisticados
Era manhã do dia de meu aniversário de 44 anos. Recebi uma ligação de meu tio e padrinho:
– Flávio, decidi lhe dar um presente especial neste ano – disse. – Você pode ficar com o relógio do seu avô.
A oferta me pegou totalmente de surpresa. Eu era (sou!) apaixonado por aquele relógio. Afinal, o relógio do meu avô Sylvio é nada menos do que um Patek Philippe Calatrava modelo 1589 de ouro, que nós estimávamos ter sido fabricado nos anos 1940.
Naquele momento, sem que eu soubesse, começava uma espécie de pequena epopeia para mim. O relógio estava guardado – e parado – desde a morte de meu avô, em 1975, quando eu tinha 5 anos. E, considerando a idade da peça, seguindo orientação da própria Patek Philippe, a melhor alternativa era levá-la para manutenção nas oficinas da empresa, em Genebra.
Seria fácil, imaginei; bastaria mandar o relógio pelo Correio para a Suíça. Mas as instruções da Patek Philippe foram claras: “O senhor ou um portador de confiança precisa pessoalmente trazê-lo a nossa oficina e também, posteriormente, buscá-lo”.
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Volto a essa história depois, se vocês me permitirem. Até porque a estrela desta matéria é o Patek Philippe Calatrava, o mais simbólico dos relógios formais (dress watches, em inglês). Criado em 1932, o Calatrava foi fundamental para tornar a Patek Philippe a grande referência mundial em relógios sofisticados.
Mas o que torna o Calatrava tão especial? Sem dúvida, são suas linhas simples e clássicas, de uma elegância sutil e discreta. O Calatrava é, na minha opinião, uma lufada de gentileza e distinção nesta era exibicionista de relógios gigantescos, beirando o vulgar.
Essa visão é compartilhada por Roni Madhvani, especialista em Patek Philippe e um dos principais colecionadores de relógios clássicos do mundo: “Talvez nenhum outro modelo de relógio tenha resistido tanto ao teste do tempo quanto o Calatrava, que conseguiu evoluir com relevância ao longo das décadas. O design do Calatrava manteve o classicismo em termos de forma, com pequenas evoluções estéticas, o que faz dele um ícone no universo dos relógios de pulso”, afirmou Madhvani, numa conversa exclusiva com a reportagem de Versatille.
Batizado em homenagem aos cavaleiros templários da Ordem de Calatrava (a cruz da ordem é o símbolo da Patek Philippe), o modelo refletia inicialmente o gosto do início do século passado por relógios pequenos. Os primeiros Calatrava lançados tinham 31 mm de diâmetro, mas logo evoluíram para 36 mm, um tamanho mais apropriado para padrões contemporâneos. Seu design refletia o estilo funcional do movimento Bauhaus, imprimindo ao novo relógio um visual clássico e atemporal.
Ao longo dos anos, a Patek Philippe modernizou o modelo, mas soube preservar sua identidade e relevância. Alguns dos designs mais contemporâneos já se consolidaram inclusive como clássicos da marca, atraindo colecionadores de todo o mundo. Em maio de 2018, um Calatrava modelo 2526 de platina, fabricado em 1954 com a marca da joalheria Tiffany & Co., foi vendido num leilão pelo preço recorde de US$ 642.500, o equivalente a R$ 3,5 milhões.
As variações do Calatrava foram muitas ao longo dos anos. Uma delas, conhecida como Clous de Paris, tornou-se a opção por excelência para quem busca um relógio para uma ocasião extremamente formal. Não existe nada mais apropriado para um evento black-tie, por exemplo. Seu dial é simples – branco, com numerais romanos –, mas ele possui em sua borda um padrão de linhas que se cruzam gravado no metal, conhecido exatamente como Clous de Paris (literalmente, “unhas de Paris”), adicionando um requinte clássico à peça.
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Mas mesmo o Calatrava não está livre de controvérsias. O mais novo lançamento da linha, o de referência 7234, chamado de Calatrava Pilot Travel Time, provocou polêmica entre os aficionados da marca. Primeiro, por ser um relógio do tipo aviador, com visual mais esportivo. E também por contar com um segundo ponteiro de horas para indicar um fuso horário diferente. Com a pulseira e o dial em azul-marinho e a caixa de ouro branco, o novo Calatrava custa por volta de US$ 50 mil.
Polêmicas à parte, de toda a linha Calatrava, meu preferido é um modelo com claras influências do movimento art déco. Com suas linhas simétricas, o Calatrava referência 5296 quebra a formalidade tradicional do relógio sem perder a personalidade que se espera de um Patek Philippe. Já fora de produção, o 5296 pode ser encontrado em leilões ou revendedores de modelos usados.
Junto com outros ícones – como o Cartier Tank, o Breguet Classique e o Piaget Altiplano, para mencionar alguns de meus favoritos –, o Patek Philippe Calatrava é um relógio eterno, símbolo vivo de tempos mais discretos e, portanto, mais elegantes.
E o fim da história do Calatrava do meu avô? Por uma dessas coincidências da vida, um mês depois daquele telefonema, um cliente me pediu que fosse visitar sua sede em Genebra e me colocou num hotel (juro!) a duas quadras da Patek Philippe.
O serviço, impecável, levou seis meses para ficar pronto, me obrigou a viajar novamente a Genebra para buscar o Calatrava e custou o equivalente a um excelente relógio novo. Mas valeu cada centavo, posso assegurar. Hoje, afinal, tenho uma peça de história única, de um valor sentimental incalculável para a família, e ainda posso dizer que comprovei o slogan da companhia, que diz o seguinte: “Nunca somos verdadeiramente donos de um Patek Philippe. Apenas cuidamos dele para a próxima geração”.
Por Flávio Castro