Rota do Uísque Americano: uma jornada incrível

Uma rota que passa por três estados americanos apresenta ao público as histórias, lendas e ‘‘causos’’ da versão americana do marcante destilado

Vamos começar indo diretamente ao ponto: não é todo mundo que se dá bem com uísque. Seu gosto, forte para muitos, passa a impressão de que o consumidor precisa ter certo conhecimento para de fato valorizar sua complexidade. E, se você não está acostumado, é talvez necessário ter um pouco de coragem para pedir uma primeira dose. Com isso em mente, o Distilled Spirits Council criou uma sugestão de rota turística para desmistificar o consumo da bebida e mostrar ao mundo que há muito mais por trás desse líquido de cor âmbar do que a simples dúvida se ele deve ser tomado com gelo ou puro.

 

 

Trata-se da American Whiskey Trail (Rota do Uísque Americano), na qual a VERSATILLE embarcou em outubro último. Sem dúvida, um destino fora do comum para o turismo gastronômico e que pode agradar até os viajantes não consumidores da bebida. O trajeto passa por destilarias nos três principais estados produtores do país: Virginia, Kentucky e Tennessee. São regiões peculiares, cheias de histórias, boa comida e arte, além de serem cenários de paisagens lindas. Por estarem no Centro-Sul do país, são regiões que, apesar de muito visitadas por americanos, ainda são pouco exploradas por turistas internacionais, o que deixa tudo mais autêntico. Então, se for embarcar nessa viagem, prepare-se para ser tratado com muitos sorrisos, excelente hospitalidade e sotaques fortes.

 

 

A história do uísque é repleta de lendas – ninguém sabe com 100% de certeza como ele chegou e se espalhou pelos Estados Unidos. Por ser um dos primeiros artigos produzidos e comercializados localmente, não há muita documentação sobre quem começou a indústria, e praticamente todas as destilarias gostam de dizer que foram pioneiras em algo. No entanto, é indiscutível o quanto sua história está entrelaçada à do país.

 

O uísque já era consumido na Europa, principalmente de tradicionais produtores, como Inglaterra e Escócia, de onde vieram os primeiros colonizadores. Acredita-se que, por já conhecerem as técnicas, começaram a utilizar o milho e centeio local para produzir os próprios barris. As destilarias foram então surgindo junto às fazendas, como uma forma de aproveitar toda a produção de grãos. Também consta que os americanos nativos gostavam de uísque, por isso era utilizado para manter a paz entre eles e os colonizadores. Se foi exatamente assim que aconteceu, jamais saberemos.

 

 

O que se sabe de fato é que muitas destilarias surgiram próximas à independência americana, em 1776 – a documentação que chegou até nossos dias começa a aparecer a partir desse período. O líquido tinha valor no mercado tanto para consumo de lazer como medicinal, e muitas vezes era utilizado como moeda de troca em momentos de escassez monetária. Vale destacar que até mesmo George Washington, o primeiro presidente americano, se aventurou como produtor de uísque após encerrar seu mandato (com muito sucesso, diga-se). Sua destilaria é a primeira parada do roteiro em Virginia, e está em funcionamento até hoje usando o mesmo sistema e a mesma receita de 1790. O gosto, todos concordam, está longe de ser bom. Mas valem o simbolismo e a boa história.

 

 

Ao chegar ao Kentucky, a maior parte dos produtores de uísque vai dizer que o segredo está na água calcária da região. Mas a verdade é que o que torna a indústria especial são as pessoas e os contos ao redor delas. Fred Noe, o lendário mestre destilador da marca Jim Beam, explica que esse fenômeno é algo único desse ramo. “São histórias que passam de geração em geração”, diz ele, cujo pai trabalhava com isso e que agora tem no ramo também seu filho. “As pessoas que fazem parte deste mundo realmente vivem a cultura e amam o que fazem.”

 

 

É quase surpreendente imaginar que a gestão desses negócios segue um formato tão pequeno e pessoal quando se veem as garrafas e logos conhecidos expostos em bares pelo mundo todo – muitos deles foram adquiridos por grandes conglomerados ao longo das décadas. Mas as histórias familiares fazem tanto parte da indústria que até mesmo marcas que surgiram recentemente, como Angel’s Envy, têm exposta uma árvore genealógica na parede da destilaria com os descendentes que fazem parte do surgimento da marca até os dias de hoje.

 

 

A tradição é algo tão importante no mundo das bebidas espirituosas que grande parte das destilarias tem o próprio museu e até mesmo empresas contemporâneas são inspiradas por histórias de antigas fabricantes ou personalidades do uísque, como é o caso da James E Pepper, revitalizada em 2008, Nelson’s Green Brier, em 2006, e a mais recente, Nearest Green, que terá seu espaço próprio de visitação inaugurado em 2020.

 

O turismo de destilarias foi criado na década de 1950 pela Makers Mark como forma de aproximar o público e aumentar a percepção de preço do produto premium. “Minha avó, Margie Samuels, percebeu que o consumidor só daria valor à bebida se pudesse ver com os próprios olhos o cuidado e a atenção a detalhes em cada garrafa”, explica Rob Samuels, atual mestre destilador da marca.

 

Devido ao sucesso das visitas, outras destilarias acabaram adotando o sistema. Seja em um ambiente elaborado ou apenas na roda de amigos, a lição que fica ao completar o roteiro é a frase de Fred Noe: “Uísque transforma qualquer conversa em uma festa”. Sobre a decisão de tomá-lo com gelo ou não, a regra é simples. Se você faz careta ao tomar um gole é porque está muito forte para seu paladar. Pode colocar umas gotas de água ou um cubo de gelo, que vai deixar o álcool mais suave para sentir o gosto. O importante é desfrutar.

 

 

A experiência de estar presente no local de produção e conhecer as pessoas e histórias dos bastidores do uísque definitivamente impacta a imagem da bebida. Com base em minha experiência, posso dizer que American Whiskey Trail atingiu seu objetivo com sucesso. Não só aprendi a apreciar a bebida como também a admirar as histórias e lendas que fazem essa indústria tão singular.

 

 

PASSEIO por Miriam Spritzer, dos Estados Unidos | Matéria publicada na edição 114 da Revista Versatille.

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