A tão falada reforma do MoMa vai muito além do espaço físico

O que a reestruturação de US$ 450 milhões do Museu de Arte Moderna de Nova York pode nos ensinar sobre diferença, imigração e miscigenação

Admito que não possuo grande afinidade com a cultura americana, que considero agressiva, combativa e competitiva – ao extremo –, apesar de ser admirador confesso da capacidade de organização e de realização deles. Entretanto, depois de colecionar anos sem desejo de retornar aos Estados Unidos, lá estive em outubro. Fui devido a um convite especial e irrecusável: comparecer à noite de reabertura do MoMA, na companhia dos mais expressivos artistas, críticos, entusiastas e mecenas das artes.

 

 

Essa celebração, histórica e inesquecível, representou o início de um movimento transformador dentro da trajetória da instituição nova-iorquina que figura entre as mais importantes dedicadas à cultura – e que escolheu permanecer de portas completamente fechadas, durante quatro meses, para repensar a experiência que vinha oferecendo a seu público. Nesse processo de ampliação e de reconfiguração, foram investidos, ao todo, mais de US$ 450 milhões, numa operação batizada de New MoMA.

 

Logo que cheguei ao edifício, agora maior e repaginado, eu me deparei com Karen Grimson, uma das curadoras responsáveis por essas mudanças, uma jovem culta, educada, de origem latina e com a qual tive o privilégio de conversar por horas. Ela me explicou que, para dialogar com a nova realidade que se apresenta e com uma nova geração de visitantes do museu, as exposições passarão a ser apresentadas baseadas em dois conceitos inovadores: a descronologia e a horizontalidade. Na prática, significa que as obras serão exibidas independentemente do local, do momento e da técnica utilizada, levando em consideração apenas a linguagem como vínculo entre elas.

 

 

O mais importante desse olhar é que oferece espaço e possibilidade de reconhecimento aos artistas que não fazem parte do elitista eixo criativo Estados Unidos-Europa, permitindo ainda que esculturas, gravuras, instalações, móveis, objetos e óleos sejam encarados com pesos equivalentes. Também haverá mais obras de artistas mulheres, além de uma busca por levantar necessárias discussões relacionadas a diferença, imigração e miscigenação – questões frequentemente combatidas por parte da atual classe política americana –, visto que uma instituição desse porte tem obrigação de se posicionar.

 

Essa consciência da própria responsabilidade funciona como alicerce para a reconfiguração do museu, mas precisa ganhar corpo. Transbordar e atingir o contexto social fora dele. Mesmo assim, é um bonito exemplo que nos convida a construir, de fato (e de uma vez por todas), um verdadeiro novo começo de era, frequentado não apenas por gente fina, elegante e sincera dentro dos desgastados modelos que conhecemos e que não nos representam mais, e sim por pessoas de verdade, muitas delas que continuam sendo perseguidas pelo simples fato de amar alguém do mesmo sexo, por mulheres que diariamente se desdobram para receber salários reduzidos e por negros que, na prática, seguem invisíveis aos olhos da sociedade. Ou por toda e qualquer forma de minoria que ainda clame por respeito e valorização. Um chamado urgente de nosso tempo que serve para mim. E eu imagino que sirva para você também.

 

 

PONTO DE VISTA por Michel Safatle | Matéria publicada na edição 114 da Revista Versatille

 

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