5 tendências disruptivas para o luxo
Um mergulho no LuxuryLab Brasil revela inovações do mercado que movimenta mais de US$ 50 bilhões mundialmente – e que agora se reinventa mirando em responsabilidade social
A palavra disruptivo chegou ao mercado de luxo. O termo, que ficou superpopular (para não dizer lugar-comum) no mercado de inovação, sugere transformação. É quando algo já existente – um produto, um serviço, uma experiência – inesperadamente se renova e vai além, propondo ineditismo. Em um mundo cada vez mais acelerado e novidadeiro, esse setor não perde ao se repensar. Ao contrário, só ganha.
Um produto de luxo deve entregar um wow factor ao seu consumidor no momento da aquisição. Essa experiência, você já conhece. O inédito, agora, é ver que as marcas estão ultrapassando a relação com o cliente para ampliar seu impacto deixando pegadas positivas por onde passa. De olho nos valores cultuados pelos millenials, geração nascida entre 1978 e 1992 que é responsável por importante fatia de consumo no setor, marcas de luxo colocam inclusão, diversidade, sustentabilidade, democratização e até consumo consciente na pauta do dia. Segundo o LuxuryLab Brasil, cinco tendências aparecem nesse cenário.
Compras on-line em alta
O universo de vendas de produtos de luxo on-line teve um crescimento vertiginoso entre 2013 e 2018. Mundialmente, foram 271% de aumento na venda em plataformas mobile e 59% no ambiente on-line (desktops). Nesse mesmo período, as vendas presenciais tiveram aumento de apenas 3%. No Brasil, o comércio em lojas físicas mostrou crescimento de 14%, enquanto o ambiente digital cresceu 76%.
De olho neste nicho próspero de mercado, é possível perceber certa movimentação. Desde 2018, o Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, opera uma plataforma de e-commerce que se integra com a experiência presencial. Na prática, você pode realizar as compras pela internet, e também pode fazer trocas nas lojas físicas do shopping. A plataforma garante entrega no mesmo dia para regiões do centro expandido de São Paulo e entrega rápida para o restante do Brasil. A integração também ocorre pelo Instagram do shopping e deve virar aplicativo de celular.
No primeiro semestre, a rede Iguatemi lançou algo parecido, a plataforma Iguatemi 365, por enquanto apenas para convidados selecionados. Com um formato parecido com o do concorrente Cidade Jardim, o e-commerce reúne cerca de 90 grifes brasileiras e internacionais.
A NK Store, de Natalie Klein Duek, já atua virtualmente há algum tempo e tem algo a ensinar. “Para quem nasceu off-line, é um grande desafio tornar-se on-line. Juntar dois universos, também. A NK On-line nasceu com a premissa de ser tão boa na tela quanto na loja e a investida já representa 7% de nosso faturamento atualmente”, comenta.
Mercado de luxo cresce 4% em 2019
A sustentabilidade veio para ficar
Comprar longe do mundo físico não distancia o consumidor da realidade. Ao contrário: a preocupação com os bastidores da produção, sua origem e impacto, é uma tendência que nasceu como ativismo, mas veio – e chegou ao mercado de luxo – para ficar. Flávia Gemignani, líder do Centro de Insights do Consumidor da Boston Consulting Group, revela dados interessantes sobre o consumidor brasileiro. “67% dos brasileiros se preocupam com a sustentabilidade na cadeia de produção, enquanto 70% afirmam que trocariam uma marca por outra mais sustentável. Em ambos os dados, a média é 10% maior que no restante do mundo”, conta.
Citada por Flávia, uma pesquisa divulgada em abril pela BCG e pela Altagamma, feita com consumidores americanos e chineses – uma importante amostra, com mais de 12 mil respostas –, aponta que 64% dos millenials e geração Z são influenciados por sustentabilidade. O mercado de luxo acompanha de perto as preferências desses clientes, que vêm ditando o novo modo de se relacionar com o consumo – em especial os millenials, já que eles devem saltar, até 2025, de donos do posto de 32% para 50% da fatia de consumo pessoal do setor.
Fflur Roberts, Global Head do setor de luxo da Euromonitor, destaca o ganho de espaço de marcas com perfil sustentável, como a Osklen, que levanta a bandeira socioambiental há muito tempo. A coleção ASAP (sigla para As Sustainable As Possible – o mais sustentável possível), do verão 2018, é um marco: só em 2017, promoveu o reuso de quase 2 toneladas de garrafas plásticas retiradas do meio ambiente, que resultaram em economia de quase 199 milhões de litros de água e redução de 15% na emissão de Co2 na produção das peças, além de promover geração de renda para cooperativas e associações de catadores. Algodão orgânico, couro de pirarucu (descartado pela indústria alimentícia) e solados reciclados são alguns dos materiais que, pela mente visionária de Oskar Metsavah, se tornam vestuário de luxo.
No mesmo caminho, a Gucci ganha destaque no mercado com sua política de impacto ambiental positivo. De acordo com Laurent Claquin, presidente da Kering Group para as Américas, grupo detentor da marca Gucci, o caminho deve ser seguido pelas demais marcas do conglomerado de luxo.
Inclusão e diversidade
Falando em Gucci… Com a força criativa e o pensamento nada convencional do estilista Alessandro Michelle, a Gucci se tornou referência para o que é o luxo moderno. O mais recente aceno da casa italiana de moda se deu na perfumaria, com o recém-lançado Gucci Mémoire d’Une Odeur (memória de um aroma), uma fragrância neutra e genderless – aparentemente feito sob medida para os clientes millenials. Um perfume unissex pode não ser novidade, mas nesse contexto, o lançamento fala mais sobre inclusão do que sobre irreverência, como era o caso nos anos 1980/90.
Enquanto isso, Alton Mason ganhou a mídia por ser o primeiro modelo homem negro a entrar na passarela da centenária Chanel, ao passo que Adut Akech, refugiada de origem sudanesa, foi escolhida como rosto da campanha do inverno 2019 da grife francesa. No início de dezembro, Adut foi escolhida a Modelo do Ano do importante ranking do British Fashion Council – entre as indicadas estavam Winnie Harlow, modelo que tem vitiligo no corpo e rosto, e a afro-americana Adesuwa Aighewi. Essas escolhas são pistas importantes da estética atual – vale contar que vencedoras anteriores eram nomes como Kate Moss e Karen Elson, de pele alva.
Por dentro das empresas, a tendência também é imbuir-se de responsabilidade social, com iniciativas que vão além das políticas de carbono zero. Companhias como PayPal, por exemplo, têm implementado programas de inclusão em seu quadro de funcionários. “Empresas com direcionamento inclusivo tendem a faturar 30% mais”, diz Paula Paschoal, CEO da empresa no Brasil. Por aqui, Natalie Klein Duek se mostra totalmente por dentro da tendência: seu quadro de funcionários é essencialmente feminino. “Somos uma empresa service oriented. Do manobrista aos diretores, nossa filosofia é ‘olhar, sentir, cuidar’. Essas três palavras mapeiam nossas decisões”, diz ela sobre a filosofia da grife.
Experiência é aposta certa
O luxo como experiência já movimenta US$ 53 bilhões mundialmente, e representou um crescimento de 4% no último ano. No Brasil, a projeção vai além. Estima-se que apenas o setor hoteleiro de luxo vivencie um aumento de 48%, seja por ser o segundo país mais buscado na América Latina como destino de luxo, seja por ter uma real necessidade neste nicho. De olho nessa oportunidade de ouro, grandes redes hoteleiras desembarcaram por aqui recentemente – e outras planejam aportar em breve. O primeiro hotel da bandeira Four Seasons no Brasil acaba de completar um ano de vida. Nos próximos meses, a cidade de São Paulo deve ganhar a primeira unidade da rede Rosewood no Brasil, dentro do complexo Cidade Matarazzo, nos arredores da Avenida Paulista.
O conceito de experiência vai além da vivência em seu destino final. A Delta Airlines, por exemplo, passa por um momento de democratização do luxo. Os voos internacionais da companhia passarão a oferecer um novo perfil de serviço na classe econômica. Os passageiros serão recebidos com um drinque de boas-vindas, depois poderão escolher em um cardápio a refeição que preferem saborear no voo e ainda ganham um chocolatinho de agradecimento no final da viagem. “É o padrão de serviço que estamos acostumados a oferecer apenas nas classes executiva e primeira”, informa Maurício Parise, diretor geral de Experiência do Consumidor da Delta Airlines.
Luxo para todos de um lado, luxo para poucos de outro: a rede hoteleira Four Seasons também explora o serviço de aviação com roteiros personalizados entre os hotéis de sua bandeira, e serviço de primeira classe para todos os passageiros. Até 2021, uma segunda aeronave deverá começar a operar dentro destes padrões de serviço.
Luxo não é descartável
Houve um tempo em que luxury era uma ilha aonde o território do second-hand não chegava. A força dos cifrões construiu uma ponte entre eles, e agora o produto de luxo de segunda-mão é estudado, mapeado e monitorado. A bolsa de grife parada no seu armário pode ser o desejo atual de outra pessoa, seja para usar apenas por um período, seja para tê-la definitivamente. É de olho nessa prática, cada vez mais usual, que sites como Etiqueta Única ou páginas no Instagram ganham fama no mercado de segunda-mão, com peças em bom estado e valor mais baixo que nos pontos de venda oficiais, além da oportunidade de encontrar edições limitadas.
Outra alternativa são os clubes de assinatura de itens de luxo, como Vivrelle, nos Estados Unidos. Nele, usuários cadastram não só acessórios, mas também joias, que ficam disponíveis para demais assinantes por um período de 30 dias. As assinaturas custam entre US$ 99 e US$ 279 e oferecem de um a dois itens a serem utilizados por mês. Em Miami, o hotel SLS South Beach oferece o serviço como amenity. São bolsas como Chanel, Louis Vuitton e Prada que entram no conceito try-before-you-buy-it.
O mercado primário de luxo se beneficia indiretamente dessa movimentação. “As marcas podem assim mapear quais são os produtos mais disputados e planejar relançamentos de linhas específicas”, explica Flávia. “As grifes ainda podem criar canais de recrutamento para pessoas interessadas em novos relançamentos. O controle de produtos de segunda-mão pode, inclusive, auxiliar na imagem positiva da marca”, completa. O velho e bom brechó influenciando os números do mercado de luxo, quem diria. O mundo sofreu uma mudança, como dizer?, disruptiva.
Por Raphael Calles