Gem Dior: uma ode à alta joalheria criada por Victoire de Castelanne

A coleção que celebrou os 20 anos da alta joalheria da Dior também marca duas décadas do trabalho incomparável de Victoire de Castellane na maison francesa

Pedras e metais estonteantes, lapidação e acabamentos ultra detalhados e, claro, desenhos o mais sonhadores possível. O nome disso é alta joalheria e, no caso da Dior, sonho é palavra elevada à última potência, já que a designer à frente de seu ateliê de haute joaillerie é ninguém menos do que Victoire de Castellane, cuja assinatura é uma grife em si. Não à toa, a coleção que celebra os 20 anos da linha, exibida em junho último, foi pensada por ela como uma retrospectiva do seu trabalho na marca, e o lançamento das 99 peças – a maior em número de itens até então –, como uma homenagem da maison à sua ilustre créatrice.

 

E que homenagem. O Palazzo Labia, em Veneza, foi o lugar escolhido para mostrar a Gem Dior, nome que brinca com o francês j’aime (amo) e o inglês gem (gema), e que, indiretamente, também faz referência ao slogan J’adore Dior. Entre os convidados para a grande revelação estavam clientes da alta-costura e imprensa especializada. O que eles viram? Modelos usando vestidos em tom rosado criados especialmente pelo ateliê de alta-costura Dior, desde 2016 comandado pela estilista italiana Maria Grazia Chiuri. Era a cor perfeita. Evidenciava as mais novas joias-desejo do momento: pedras, muitas pedras, de todas as cores – ora monocromáticas, ora em combinações multicores, ora em composições degradê –, com todo tipo de lapidação possível em um mesmo item e zero simetria na união das gemas.

 

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Vale dizer que cores e assimetria são excelentes pistas para reconhecer um autêntico Victoire de Castellane. Mais tarde, durante um jantar, as modelos trocaram de roupa: usando preto total – alta-costura, sempre – e exibindo novamente as joias, agora elas andavam entre as mesas, numa elegante referência aos antigos desfiles da marca, exclusivos e intimistas. Algumas delas usavam anéis duplos e pulseiras de mão, evidenciando o foco em uma clientela cada vez mais jovem. Sucesso, não só da crítica especializada como de vendas: no dia seguinte ao evento, muitas peças já haviam sido reservadas. A mais valiosa delas é um colar de diamantes com uma safira rosa de 10 quilates, cujo preço chegou perto de 2 milhões de euros.

 

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Para um bom conhecedor de Mme. de Castellane, ainda faltava uma informação capaz de conectar a ideia de retrospectiva às formas, ou melhor, às não formas das joias, montadas em ângulos mil e um inédito efeito caleidoscópico – ou seria craquelado? Como isso poderia resumir uma linha do tempo pontuada por coleções que remetiam ao passado – na maior parte das vezes uma ode ao estilo francês, ou à própria história da maison? “É como se eu olhasse para todas essas criações e desse um zoom nas pedras. O resultado é um visual pixelado”, explicou a designer.

 

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Victoire é reconhecida por sua originalidade e seu estilo que passeia entre o onírico, o poético, o fantástico e o lúdico a cada coleção. E mais: com formas orgânicas e cores, muitas cores, algo incomum para a alta joalheria, que até pouco tempo se restringia ao quarteto imbatível formado por diamante, rubi, safira e esmeralda, e olhava com desconfiança para qualquer tentativa de unir gemas de castas diferentes. Para Victoire, essa regra não existe; nunca existiu. Safira azul se dá bem com água-marinha, turmalina e tanzanita, assim como rubi conversa com safira rosa ao lado de granada e espinelio vermelho. O que vale é o efeito – e, no caso da Gem Dior, que efeito!

 

Francesa, neta de conde, Victoire tem sangue aristocrata. Sua avó era espanhola, nascida na Andaluzia, e trocava de joia conforme trocava a roupa. Tem até sangue cubano nessa árvore genealógica, e personagens icônicos como Boni de Castellane, um marquês francês e autêntico dândi, que serviu de inspiração para o escritor Marcel Proust. Ela também leva o drama – nos sentidos teatral e literal da palavra – na alma.

 

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Seus pais se separaram quando ela tinha não mais do que dois anos, e sua lembrança é de uma infância um tanto triste e quieta. Para fugir desse cenário, aprendeu a usar a imaginação criando mundos fantásticos enquanto via um desfile de joias dentro de casa, mesmo lugar onde ouvia histórias de opulência da família de nobres. Enquanto crescia, via filmes de Hollywood em Technicolor – uma boa explicação para o gosto pelas cores saturadas. Uma de suas referências cinematográficas é Gigi, clássico de 1958, com Leslie Caron no papel de uma debutante na alta sociedade. Em uma das cenas mais divertidas, ela visita a elegante e experiente tia Alicia, que lhe ensina sobre pedras preciosas.

 

“Sem o conhecimento de joias, minha querida Gigi, a mulher está perdida”, diz a tia. Na sequência, toma lição da menina, mostrando-lhe um anel. Depois de hesitar, Gigi aposta: “É um topázio?” A tia lhe corrige, ofendida: “Um topázio entre as minhas joias? Está louca? Este é um diamante amarelo, de primeira qualidade”. Victoire evidentemente sabe o que é bom e quais são as regras do jogo e, justamente por isso, é capaz de subvertê-las. A opala, por exemplo – que tia Alicia reprovaria de pronto –, é uma de suas pedras preferidas.

 

Convidar a joalheira de origem nobre foi aposta mais do que acertada da marca fundada em 1946, que passou a pensar em joias em 1998, e a vendê-las em 1999. Victoire veio da Chanel, onde trabalhou por mais de uma década desenhando brincos, pulseiras, anéis e colares em um mundo até então dominado por homens que, segundo ela, faziam peças convencionais, nada sensuais e que pesavam no look.

 

 

“É preciso ser mulher para desenhar joias para mulheres”, declarou. Na Dior, a designer ocupou de cara o posto de diretora criativa dessa nova empreitada – e foi a primeira mulher em cargo similar dentro da maison, que tinha as linhas de prêt-à-porter, alta-costura, masculina, perfumaria e couro sob o comando de homens. Eram a pessoa, a hora e o lugar perfeitos para executar um grande plano: trazer poesia e alegria a peças “radicalmente livres”, com volumes exagerados, multicores e tão femininas quanto pede a maison.

 

Em 2017, ainda diretor executivo da Dior, Sidney Toledano – que atualmente é chairman do grupo LVMH, detentor da marca – afirmou que a linha de joalheria é um pilar importante não só por trazer prestígio à etiqueta, mas, mais do que isso, por ser rentável – mais até do que a própria alta-costura. Essa vitória é toda dela.

 

JOALHERIA por Milene Chaves | Matéria publicada na edição 113 da Revista Versatille

 

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