Adega: Gosto de Vitória
Preferido dos pilotos da F-1 da escuderia do cavalinho rampante, o classudo franciacorta, considerado a Ferrari dos espumantes italianos, é perfeito para brindar conquistas em grande estilo e coroar vencedores e o paladar Para muitos especialistas
Preferido dos pilotos da F-1 da escuderia do cavalinho rampante, o classudo franciacorta, considerado a Ferrari dos espumantes italianos, é perfeito para brindar conquistas em grande estilo e coroar vencedores e o paladar
Para muitos especialistas e uma legião de fãs de vinhos borbulhantes de alta gama, o franciacorta, rótulo italiano produzido nas regiões da Lombardia e Trentino-Alto Adige, extremo norte do território da Bota, na fronteira com Aústria e Suíça, desponta na corrida das ûtes como o melhor espumante produzido pelo método clássico fora da região francesa de Champagne. Cotado no Brasil na casa dos quatro dígitos, esse rótulo de classe e prestígio internacionais rivaliza com um bom champanhe não só na qualidade como no preço.
Considerado a Ferrari dos spumanti italianos, nada como uma boa taça gelada de um franciacorta, portanto, para brindar vitórias e coroar em grande estilo, no alto do pó-dio, as conquistas dos futuros campeões e estrelas olímpicas, como o recordista mundial dos 100m e 200m, o jamaicano Usain Bolt, ou do paulista Arthur Zanetti, o nosso ironman da ginástica, prováveis barbadas e fortes candidatos a conquistar a medalha de ouro na Rio 2016. Pretexto mais do que perfeito para deixar tais momentos ainda mais especiais e com sabor de vitória.
Embora não desfrute entre os consumidores brasileiros a mesma popularidade do conterrâneo prosecco, produzido pelo método charmat, um franciacorta só pode ser feito por meio do método champenoise ou tradicional. Tecnicamente falando, a diferença entre esses dois métodos de elaboração é simples. No primeiro, a segunda fermentação, que cria as bolhinhas da bebida, ocorre no interior da garrafa, enquanto, no segundo, a fermentação secundária, ou a refermentação, acontece em grandes tanques (geralmente de inox) de milhares de litros. Ou seja: se no primeiro se obtém uma bebida controlada artesanalmente, de volume pequeno e limitado, e, portanto, mais cara, no segundo, a produção é de escala industrial, com milhões de litros, o que reduz sobremaneira custos de produção e o preço de cada garrafa.
Como na região francesa que os inspira, as uvas usadas na elaboração do franciacorta são as variedades Chardonnay, Pinot Nero e Pinot Bianco, colhidas, manualmente, do modo seletivo, em vinhedos de localização privilegiada e baixos rendimentos, o que também encarece o preço nal da bebida, porém, o ganho de qualidade é imensurável. Mais: todo o processo de elaboração leva entre 18 (franciacorta tradicional), 30 (millesimato) e 60 meses (riserva), dos quais ¾ do tempo em lenta fermentação dentro da garrafa com as borras de leveduras (sur lies). Ou seja, esse processo de elaboração é muito mais demorado que um charmat.
Como produto, o franciacorta é, por todos esses motivos, innitamente mais complexo e superior que um prosecco ou mesmo a outros champenoises produzidos mundo afora. A Itália, portanto, é o único país, fora a França, a perpetrar espumantes com tamanha categoria, rivalizando com os de Champagne, podendo, por vezes, superá-los em qualidade e preço.
Os próprios italianos são consumidores contumazes de seu vinho borbulhante mais classudo. Cerca de 80% das mais de 12 milhões de garrafas produzidas anualmente em território peninsular são consumidos por lá mesmo. Ou seja, pouco mais de dois milhões de garrafas são destinadas a mercados internacionais, como o europeu, o americano e o asiático. Por aqui, desafortunadamente, desembarcam só algumas poucas centenas de exemplares.
Chamados carinhosamente na Itália de bollicini, os melhores espumantes do país da Bota pertencem à Denominazione di Origine Controllata e Garantita (D.O.C.G.) Franciacorta, na Lombardia, e à D.O.C. Trento, que ca espetada na região vitivinícola do Trentino, a cerca de 100 km ao norte de Verona. A Franciacorta — que signi ca ipsis litteris “corte à francesa”, em italiano — é uma zona da província de Brescia, na região da Lombardia, e sua extensão, de aproximadamente 240 km2, compreende 21 comunes, cujo termo também batiza os espumantes locais. Dentre as diversas lendas que explicam a origem do nome, a mais aceita é que havia naquele distrito lombardo, durante a Idade Média, uma comunidade de monges beneditinos (corti) que desfrutava isenções scais (franchigia ou franchae) para o transporte de mercadorias para outros pontos do país da Bota. Eram os corti franche, ou, em bom português, a corte isenta de tributos.
Nos dias de hoje, embora se produza naquela região os mais reluzentes champenoises da Itália, a elaboração desses espumantes premium só começou por lá há pouco mais de meio século, para ser preciso, nos inícios dos anos 1960. Ou seja, sob a perspectiva histórica milenar do vinho, tal território, especialíssimo, e ainda vivendo a “infância” de sua existência em termos viní-colas, já consegue revelar todo o potencial de seu terroir e microclima e enaltecer o talento de seus produtores na produção de vinhos borbulhantes de alta qualidade.
Um dos que mais se destacam nesse cenário é a vinícola Ca’ Del Bosco (cadelbosco.com), cujos rótulos soberbos se sobressaem pela personalidade gastronômica e pelo caráter menos “festivo”, digamos. São fabulosos desde os seus franciacortas tradicionais e rosados aos safrados e reservas. Guardados em caves subterrâneas de uma moderna e luxuosa construção que também hospeda uma impressionante coleção de obras de arte, os disputados exemplares do produtor Maurizio Zanella são os preferidos, por exemplo, do jogador Kaká, do Orlando City e da Seleção Brasileira, da cantora Madonna e dos pilotos de F-1 da equipe Ferrari. Emblemático e pioneiro, Zanella foi um dos primeiros a ostentar em seus rótulos o selo D.O.C.G., no já longínquo ano de 1995.
Ao lado de outro mito do vinho italiano, Angelo Gaja, é o maior colecionador tre bicchieri — a nota máxima do exigente Gambero Rosso — tanto para seus premiados spumanti quanto para o Chardonnay, especialíssimo, e os tintos tranquilos de elegância e alma francesas que comete. Com maturação em garrafa sur latte por mais de cinco anos, o franciacorta Annamaria Clementi 2006 (US$ 299), corte dominante de chardonnay (55%), mais 25% de pinot branco e 20% de pinot nero — importado com exclusividade pela Mistral, de São Paulo (mistral.com.br) —, permanece envelhecendo em garrafa por outros dez anos. Vini cado com o método tradicional, o suco da primeira extração é fermentado e maturado sete meses em pequenas barricas de carvalho. O resultado? Um espumante complexo, hedonista, etéreo, feito para brindar o paladar. E coroar campeões.
Adega por Marco Merguizzo | Matéria publicada na edição 91 da Revista Versatille