Entrevista: Hortência Marcari – aos 60, mas com fôlego de 20

Confissões de Hortência Marcari, atleta que emocionou o Brasil no basquete, virou figura conhecida da sociedade paulistana e hoje ensina o caminho do sucesso em palestras motivacionais país adentro

Era uma vez um ícone do basquete que, integrante da seleção brasileira aos 16 anos, foi de uma cidade simples do interior para os salões da alta sociedade paulistana. Driblou o campo minado dos chás e coquetéis com a maestria que, em quadra, deu a ela uma gloriosa sucessão de títulos: campeã pan-americana, campeã mundial e vice-olímpica. Estrelou uma capa de Playboy, teve dois filhos, se separou, marcou o imaginário nacional. Poderia ser a sinopse de qualquer série dessas que a gente passa o fim de semana maratonando, mas se trata da história de vida de Hortência de Fátima Marcari, que acaba de chegar aos 60 anos.

 

 

A data comemorativa foi o ponto de partida desta reportagem, porém a entrevista que você vai ler a seguir mostra mais. Bem mais. Você sabia, por exemplo, que desde que largou o esporte Hortência nunca mais pisou numa quadra? Nós também não. E que ela atua como palestrante motivacional? E que ela não deixa os filhos irem ao motel? Que o filho dela, João, pode representar o Brasil na próxima Olimpíada você viu, né? Esses e outros tópicos estão na saborosa conversa a seguir.

 

VERSATILLE: Hortência, 60 anos. A idade motivou alguma avaliação de sua vida?

HORTÊNCIA MARCARI: Vivo um dia de cada vez. Quando se é jovem, você pensa em seu futuro, e hoje já estou nele. O futuro chegou. Não preciso me preocupar mais com meus dias à frente, até porque meu futuro não é tão distante. A coisa mais importante na vida quando se chega a essa idade é ter amigos. Poucos, mas verdadeiros. Quando você tem amigo, não precisa ter marido nem segurar um casamento falido, que é o que se vê muito por aí.

 

V: Você sempre planejou sua vida?

HM: Sim, sempre. Eu me preparei para hoje ter uma vida tranquila, morar numa casa gostosa, ter meus filhos, minha família. Tudo isso foi planejamento. Fiz uma nova faculdade aos 50 anos (gestão do esporte). Agora não quero mais sala de aula. A única coisa que eu vou “morrer” estudando é inglês. O meu é macarrônico, mas não desisto (risos).

 

V: E continua com uma rotina disciplinada?

HM: Sou do dia, nunca da noite. Acordo às 7h30, malho diariamente e faço também fisioterapia para meu ombro por causa do desgaste com o esporte. As sessões doem, mas gosto de sentir essa dor porque me faz lembrar daquilo que eu fui.

 

 

V: Como foi conciliar seu dia com a noite de José Victor Oliva quando se casaram, em 1989?

HM: Morávamos em apartamentos diferentes. Num relacionamento, você não precisa se ver toda hora, estar grudado. Tínhamos um casamento moderno, que durou dez anos, com dois filhos. Não sou tradicional e nunca dei bola para isso. Quando conheci o Victor, muita gente dizia que minha carreira iria acabar. Ao contrário! Depois que me casei, fui campeã pan-americana, campeã mundial e vice-olímpica. Ele me ensinou o outro lado do esporte, a usar meu nome e o marketing a meu favor. As pessoas falavam que eu queria dar o golpe do baú, e que o Victor queria aparecer. Tinha mais dinheiro do que ele na época, nunca precisei de homem para me sustentar. Se me importasse com o que os outros falavam, talvez hoje não tivesse minha família, meus filhos.

 

 

V: Você era do esporte, ele, da alta sociedade. Como foi entrar para esse novo mundo?

HM: Não mudei absolutamente nada. O mundo dele teve de me aceitar do jeito que eu era. Sempre fui uma pessoa muito observadora e, claro, eu sabia que não poderia aparecer nos eventos de calça jeans e tênis. Sei me comportar. Procurei me vestir melhor. Meu casamento era totalmente diferente do convencional e a gente se respeitava muito. Nunca tivemos um briga por causa de ciúme.

 

V: Era uma relação monogâmica?

HM: Sim! Minha cabeça é fechada para casamento aberto. Quero meu homem só para mim. Mas respeito quem tem esse tipo de relação. Nunca mais casei. Acho que tive mais uns cinco namorados, e nem namorar quero mais. Estou tranquila hoje só com os, como chamam atualmente, “crushes”. Nunca entrei em aplicativo de relacionamento, mas recebo bastante mensagem via Instagram. Quando posto foto de biquíni, aí chovem admiradores, mas não respondo.

 

V: Já saiu com alguém que mandou mensagem a você?

HM: Sim. Já tive duas experiências que foram super agradáveis. Teve um que, depois de três meses de conversa, resolvi conhecer. Era quase meu vizinho. Ficamos um ano saindo e depois virou meu amigo. Sou amiga de todos os meus ex.

 

V: Como você vê sua sexualidade aos 60 anos?

HM: Faço reposição hormonal, então eu me sinto como se tivesse 20 anos! Minha testosterona está no ponto. Meu ginecologista brinca que quer me ver subindo pelas paredes (risos). Sempre tive uma relação natural com meu corpo. Hoje, eu me preocupo muito em envelhecer bem. Não fico mexendo no rosto. Óbvio que coloco Botox, faço laser, mas me aceito, e quando me olho no espelho vejo a Hortência.

 

 

V: Você tem contato com a Paula, sua ex-companheira de quadra?

HM: Em eventos. Não sei se amiga é o termo certo. A gente tem uma história muito forte. Não tem como olhar para mim e não se lembrar dela e vice-versa. É uma dupla que ninguém jamais vai conseguir separar. Ela foi a pessoa mais importante da minha vida profissional. É um caso em que minha rival me ajudou a crescer. Ela contribuiu para meu sucesso, e quando você passa isso para as pessoas, elas começam a entender que seu adversário não é seu inimigo. Ele faz você crescer. É uma disputa leal e honesta. Nunca dividimos quarto na seleção. Éramos duas líderes, e não daríamos certo no mesmo espaço. O técnico usava isso a favor do time.

 

 

V: Casos de assédio são muito comentados hoje no mundo dos esportes. Chegou a enfrentar alguma situação desse tipo em sua época?

HM: Infelizmente faz parte de qualquer profissão e da cultura masculina. Prefiro fingir que não entendi. Dou uma de morta e sempre fiz assim. Nas quadras, não dava a menor importância para isso. Nunca me relacionei dentro de meu trabalho, nunca tive um namoro sequer com meu treinador, um caso com meu diretor ou presidente. Sempre fui extremamente profissional. Quando existia uma aproximação, eu contornava.

 

V: E você foi a primeira jogadora a posar para a Playboy, em 1988.

HM: Sim. Aceitei pelo desafio de mostrar que a mulher com um corpo atlético podia também ser feminina. Hoje é moda ser malhada, nos anos 1980 não era. Queria mostrar que a jogadora de basquete não era masculina. A gente tinha fama de sapatão. Depois do ensaio, passei a ser vista como a galinha da Playboy. Dá para entender?

 

V: Há 23 anos fora das quadras, você ainda bate uma bolinha para se distrair?

HM: Nem brincando eu jogo. O basquete para mim era algo tão profissional que eu precisava ter um objetivo. Qual o motivo de eu entrar numa quadra para brincar? Se for para isso, eu escolho outra coisa. Sempre fui muito competitiva, tinha de ter um porquê. Não gostava de jogar amistoso porque não tinha objetivo. Vou ganhar o quê?

 

 

V: Qual era seu objetivo?

HM: Não perder. Nunca me senti uma pessoa perdedora, mesmo quando o resultado não era favorável. Sempre dava valor ao adversário que jogou melhor. O perdedor é aquele que sai da quadra e diz: “Eu podia ter feito mais”. Esse sentimento eu nunca tive. Sempre me entreguei ao máximo.

 

 

V: De onde veio essa força? De sua família ou de você mesma?

HM: Existe uma coisa muito importante que é o vitimismo. Nunca tive o apoio de minha família, e isso não é desculpa para não seguir em frente. Meu pai foi me ver jogar pela primeira vez quando eu já era da seleção brasileira, aos 16 anos. Nunca esperei nada de ninguém. Faça por você e não pelo outro. O que faz você melhor do que o outro profissional? A entrega, o correr atrás. É o famoso “rala que rola”. Em casa (cinco irmãos), fui a única esportista, não tive tradição familiar. Nasci assim. Desde pequena já me vi competitiva.

 

 

V: E seu filho também se tornou atleta.

HM: Tenho muito orgulho dos dois. O João, 23, puxou a mãe no esporte com a equitação e o Antonio, 22, o pai com carreira em administração. Não me intrometo na vida profissional deles. Os dois nasceram praticamente em cima do cavalo e deixei decidirem o que queriam. O João já participou da Olimpíada do Rio e agora está nas seletivas para a do ano que vem, de Tóquio. E o mais engraçado é que a criação deles sempre foi muito natural. Não precisamos ensiná- -los nada sobre sexo, por exemplo. Eles viam a égua parir, participavam dos partos. Nunca precisei falar de “cegonha”. Sempre fomos muito abertos sobre o tema. Hoje meus filhos não vão a motel, prefiro que façam em casa. É só me mandar uma mensagem para não me pegar desprevenida.

 

Antônio Oliva e João Pedro Marcari

 

V: Antes do empoderamento feminino ganhar notoriedade, você já colocava em prática o que prega esse termo.

HM: Existem várias maneiras de mostrar que é uma pessoa empoderada. Minha versão não é falar, e sim mostrar por meio de minhas atitudes. Batalhei, venci, tenho minha opinião, minha família, meu dinheiro. Para mim, empoderamento é isso. Não tenho nada contra quem levanta bandeira. Eu não precisei disso. O mais importante é ser feliz. Tem mulher que gosta de fazer a comida para o marido, de se sentir protegida por ele. Ela é babaca por causa disso? Não importa como você é feliz. O importante é ser! O certo para você pode não ser certo para mim. Por isso existe a palavra respeito. Quando comecei a educar meus filhos, minha preocupação foi ensinar a respeitar o outro e suas diferenças.

 

ENTREVISTA por Luciane Angelo – Fotografia Renan Prando + Reprodução Instagram | Matéria publicada na edição 114 da Revista Versatille

 

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