4 Mulheres criativas

No cenário do design brasileiro, um trabalho instigante pertence à gaúcha HELOISA CROCCO. A artista e designer desenvolveu a pesquisa Topomorfose, que reproduz o desenho dos anéis de crescimento das árvores, suas “linhas da vida”,

No cenário do design brasileiro, um trabalho instigante pertence à gaúcha HELOISA CROCCO. A artista e designer desenvolveu a pesquisa Topomorfose, que reproduz o desenho dos anéis de crescimento das árvores, suas “linhas da vida”, em superfícies variadas.

 

A experiência começou nos anos 1980, quando ela adentrou pela primeira vez a floresta Amazônica ao lado do designer José Zanine Caldas (1919-2001), que buscava pedaços de madeira para compor suas peças. Foi outras vezes à floresta, sozinha, e, durante dois anos, lidou de diferentes formas com o corte em topo da madeira, que revelava seus anéis, até ter o insight de aplicá-los em design de superfície – carimbando-os, como se fossem impressões digitais da natureza.

 

É um trabalho que faz pensar na preservação. “Uma das maneiras de preservar é revelando a beleza da natureza de outra forma que somente ela pode nos apontar”, considera Heloisa, de 67 anos. “É botar o olho a serviço do espírito, da poesia, na expressão.”

 

Licenciada em desenho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1970, Heloisa especializou-se em artes plásticas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em 1985. Segundo ela, essa especialização foi definitiva em sua carreira, pois o curso era Praxis e Suportes Científicos na Arte. “A gente estudou muito a fenomenologia do espírito, com Merleau-Ponty e outros filósofos. Foi aí que entendi como refletir e pensar o meu fazer, me pensar no mundo e entender.”

 

Passados 40 anos, a pesquisa Topomorfose continua próspera. Com esse conceito, Heloisa, por exemplo, assina os brises que compõem a fachada do Edifício Iguaçu, em Porto Alegre, do escritório Smart, com previsão de conclusão em 2019. Também está finalizando a terceira escultura urbana para a incorporadora Cyrela Goldsztein. Entre os planos está escrever sobre sua trajetória. “No mais, é continuar realizando, pois é muito lúdica e saborosa essa proposta. Um regalo existencial!”

 

DESENHOS DA PESQUISA TOPOMORFOSE, DE HELOISA CROCCO, APLICADOS EM CARIMBOS

DESENHOS
DA PESQUISA
TOPOMORFOSE, DE
HELOISA CROCCO,
APLICADOS
EM CARIMBOS

 

Um design que une natureza e tecnologia é a base do trabalho da arquiteta paulistana ANDREA MACRUZ, de 35 anos. Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, ela concluiu o mestrado em arquitetura biodigital pela Universitat Internacional de Catalunya (ESARQ-UIC), em Barcelona, na Espanha. De volta ao Brasil, em 2010, fundou o escritório Nolii. “Desde esse período até 2014, desenvolvi uma pesquisa e uma série de experimentos utilizando sistemas computacionais avançados formas da natureza, como o desenho encontrado em uma folha, por exemplo, em móveis e objetos”, conta. Dessa experiência resultaram protótipos que acabaram sendo expostos no Salão Satélite, dedicado a jovens designers, do Salão Internacional do Móvel, em Milão, na Itália.

 

Essa ligação entre biologia e tendências digitais tem se mostrado frutífero para a designer. Até agora, Andrea apresenta em catálogo quase trinta peças, entre luminárias, mesas, acessórios e outros projetos. O processo de trabalho utiliza o programa Rhinocerus 3D e softwares paramétricos para chegar ao desenho final, sempre baseado em formas orgânicas. “Costumo ir na contramão”, conta Andrea. “Os desenhos naturais é que levam a determinado produto e não o contrário.”

 

Máquinas CNC, impressoras 3D e cortes a laser se encarregam da produção, que pode utilizar materiais variados, de MDF a acrílico, de pinho a laminados plásticos. Mas nem sempre o digital é soberano. Ao desenvolver uma fruteira de vidro baseada em um vórtex, cheia de ranhuras, a profissional lançou mão do artesanal. Para ela, aliás, a união da máquina e da mão é um equilíbrio perfeito. “É interessante tirar o melhor partido de cada um”, afirma. Ela lembra, no entanto, o fato de formas complexas da natureza serem quase impossíveis de reproduzir manualmente.

 

Andrea, que é representada pela Galeria Nicoli, em São Paulo, mas, também, faz vendas diretas, tem planos. “Gostaria de sair um pouco do Brasil e também conectar meu trabalho com uma causa bacana, defendida por uma fundação, por exemplo”, revela.

 

CRIAÇÕES DE ANDREA MACRUZ: ACIMA, MESA TR.I. ABAIXO, PENDENTE C.AS. À DIR., LUMINÁRIA R.EC, FORMADA POR UMA ÚNICA PEÇA DE AÇO CARBONO DOBRADA E CORTADA A JATO D´ÁGUA OU A LASER

CRIAÇÕES DE ANDREA MACRUZ: ACIMA, MESA TR.I. ABAIXO, PENDENTE
C.AS. À DIR., LUMINÁRIA R.EC, FORMADA POR UMA ÚNICA PEÇA
DE AÇO CARBONO DOBRADA E CORTADA A JATO D´ÁGUA OU A LASER

 

É em um cenário bucólico que a arquiteta e designer gaúcha INÊS SCHERTEl, de 60 anos, desenvolve produtos feitos de feltro rústico de lã, obtido por meio de uma técnica milenar usada por povos nômades da Ásia muito antes de os teares serem inventados. Na propriedade em São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul, onde ela cria ovelhas com o marido, Neco Schertel, surgem pequenos tapetes, luminárias, balaios, organizers, almofadas e bancos que empregam o tal tecido. Em uma viagem a Milão, há seis anos, ela viu na Galleria Rossana Orlandi uma tapeçaria daquele feltro. Era a semente de uma nova atividade profissional.

 

Para chegar ao produto final, há que se ter paciência, dedicação e, por que não, afeto. Depois de tosquiada, a lã é cardada e feltrada pela fricção das fibras da lã, que, em atrito com água e sabão, encolhem o suficiente. “É um efeito quase mágico”, diz a profissional. Depois, vem o tingimento, feito com folhas, galhos e cascas de árvores, técnica denominada botanical dye. Há ainda a moldagem, cuja espessura dependerá do tipo de item a ser produzido. “Como realizo cada etapa do processo da produção, costumo conceituar esse trabalho como slow design”, explica Inês. Inspirada pela natureza que a cerca, ela lida com a lã respeitando os diferentes tipos oriundos de diferentes raças dos ovinos.

 

“O material tem vontade própria e encaminha o trabalho para essa ou aquela forma”, considera a artista, que produz ao longo do ano pequenas coleções exclusivas para lojas como Dpot e Arquivo Contemporâneo.

 

Quem visitar Lisboa, em Portugal, até o mês de junho, poderá conferir, no Espaço Espelho Dágua, uma galeria ao lado do Pavilhão do Descobrimento e à beira do Rio Tejo, as mais novas criações da designer. A “terrinha” agradece.

 

CRIAÇÕES DE INÊS SCHERTEL COM FELTRO RÚSTICO DE LÃ: À ESQ. PENDENTE MARGA. À DIR., BANCO HERA. BALAIO BANHADO. E BANCO BARBICACHOS

CRIAÇÕES DE INÊS SCHERTEL
COM FELTRO RÚSTICO DE LÃ:
À ESQ. PENDENTE MARGA.
À DIR., BANCO HERA.
BALAIO BANHADO.
E BANCO BARBICACHOS

 

Móveis e objetos podem ter alma? Para a designer paulistana MARIA FERNANDA PAES DE BARROS, de 47 anos, a resposta é sim. Ela é a titular da marca Yankatu, lançada em 2015, que propõe uma interseção entre o design e o artesanato brasileiro. “Yankantu é uma palavra indígena, da tribo Kamayurá, que significa a ‘terceira alma’ das pessoas ou sua verdadeira essência, segundo uma crença daquele povo”, conta. Formada em administração de empresas, Maria Fernanda descobriu a decoração de interiores quando teve que enfrentar a reforma de um apartamento. Ao perceber seu talento para a área, se inscreveu em cursos. Mas, com o passar do tempo, percebeu que seu caminho estava mesmo no design de mobiliário e estudou para isso na Escola Panamericana de Arte (EPA).

 

A Yankatu tem atualmente quatro coleções: Tribos, Ipê, Memórias e Entrelaçados. A primeira, por exemplo, é inspirada pelo grafismo indígena presente nas cuias entalhadas pelos índios da tribo Tapirapé, além da inspiração no trabalho realizado pelos índios da tribo Nambiquara na confecção de bandoleiras e colares, nos quais utilizam sementes de Siripiuna e Inajá, e cascas de coco Tucum. Quanto a Memórias, relaciona-se com um trabalho feito na cidade de Muzambinho, em Minas Gerais, que serviu de base para a criação das pranchas de freijó maciço, entremeadas de tecido feito em tear manual, com fios de algodão tingidos com frutos. E vem aí uma nova coleção, baseada na cerâmica do Vale do Jequitinhonha. “Trago o artesanato para um contexto contemporâneo”, considera a profissional.

 

Detalhe curioso é que as peças, numeradas e produzidas em uma marcenaria no interior de São Paulo e finalizadas, pessoalmente, pela designer, guardam, mesmo, sua “alma”. Todas têm um compartimento onde se encontra um pequeno livro que conta toda a história da peça e traz páginas em branco para que os proprietários escrevam suas impressões e memórias. “Afinal, são móveis feitos para durar gerações”, diz a designer.

 

CRIAÇÕES DE MARIA FERNANDA: À ESQ., MESA LATERAL TRIBOS. À DIR., PEÇA DA SÉRIE ENTRELAÇADOS, AMBAS DE IMBUIA

CRIAÇÕES DE MARIA
FERNANDA:
À ESQ., MESA LATERAL
TRIBOS. À DIR., PEÇA
DA SÉRIE ENTRELAÇADOS,
AMBAS DE IMBUIA

 

Design por Bob Jr. | Matéria publicada na edição 97 da Revista Versatille

 

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